O negro e o direito às cotas da Faculdade
Estamos hoje aqui para pensar sobre o direito do negro ter garantida sua vaga numa Universidade Pública através do sistema de cotas. A princípio, tal idéia gera raiva e sensação de injustiça.
“Se eu estudo numa escola pública e tenho a mesma quantidade de conhecimento que o negro, por que ele tem direito a cota e eu não?” Essa é a pergunta que todos nós nos fazemos.
É difícil pensar na cota quando pensamos apenas na vaga da Faculdade Pública.
É preciso voltarmos um pouco na história de nosso povo para que nossa consciência se abra e assim possamos entender a situação com outros olhos.
Há 503 anos, o Brasil foi invadido por colonizadores europeus, com o objetivo de enriquecimento de setores da Europa. Assim, o atual Papa Nicolau ofereceu aos reis de Portugal e Espanha um documento onde dizia de forma clara e objetiva que eles poderiam invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estivessem, como tomar posse de tudo quanto fosse deles, reduzindo suas pessoas à perpétua escravidão. Assim, tais reis promoveram, uma varredura por toda a África, e fizeram daqueles que eram livres, escravos até hoje.
Chegando à nossa terra, foram presos a grilhões, explorados, usados, mal tratados, vistos como pessoas portadoras de moléstias contagiosas, como se a cor da pele determinasse o que ia em seus corações.
Foram-lhes negados direitos pertinentes à vida,à educação, à moradia... à sobrevivência mesmo.
Quando parecia que alguma atitude benfazeja viria a seu favor, em seguida o negro enxergava por trás da cortina da bondade a trágica mentira: foram enviados à guerra, com promessas de liberdade ou de terras ao voltar. Mas quem disse que voltariam? Quando o filho do fazendeiro era convocado, em seu lugar eram enviados de 5 a 10 negros para serem sacrificados. A comunidade negra foi dizimada dessa forma. Aos que sobraram, atos bondosos.
Leis, leis e mais leis a favor do negro...Branco bondoso, não?
Lei do Ventre Livre: Todo aquele que nascesse a partir de 1871 seria livre. Mas o que é liberdade? É ser retirado de seus pais para ser jogado em uma instituição do governo, para depois de ser maltratado ou ignorado, morrer a própria sorte? Saibam, amigos, que de cada 100 negros que “ERAM LIVRES”, apenas 20 chegavam a completar um ano de idade! Chocante? Pode ser pior... Lembram-se dos nossos conhecidos trombadinhas e menores abandonados de hoje? A Lei do Ventre Livre é a grande responsável pelas primeiras crianças que foram lançadas à rua!
Quando tudo parecia caminha a favor do negro, surge uma outra lei tão bondosa quanto à primeira: A Lei do Sexagenário. O escravo de 60 anos estava livre! Que maravilha! O idoso era posto à rua, abandonado a sua própria sorte. Também, o que faria o senhor de escravos com um negro que não servia para mais nada, a não ser para lhe dar trabalho! Criamos então os primeiros mendigos a habitarem os nossos iniciantes centros urbanos.
Veio a República e com ela, as indústrias. Seria necessária a mão-de-obra para as fábricas. Mas o negro, tadinho,não fora criado para isso. Abriram-se então nossos portos aos estrangeiros. Receberão pouco, mas impedirão que os negros trabalhem nas indústrias. E ademais, o embranquecimento de nosso país é mais importante do que cuidarmos daqueles a quem trouxemos presos em navios negreiros, sob situação degradante e humilhante.
Lei Áurea!!! Nossa... que alegria! É promulgada a Lei Áurea! Que felicidade aos negros! A LIBERDADE!
Que liberdade? Liberdade de estar solto nas ruas, abandonado a própria sorte? Sem casa, alimento ou educação? Livre é aquele que tem direitos de viver, com o mínimo de dignidade possível, e assim poder lutar por seus ideais e por seus sonhos. Livre é aquele que pode crescer!
O que deram ao negro não foi liberdade, mas sim uma prisão perpétua, amarrando-o ao vício, ao ócio ou à contravenção. Formaram-se assim as primeiras favelas.Surgiram os primeiros bandidos. Aumentou a concentração de renda nas mãos dos ricos, e a classe pobre foi ficando evidentemente cada vez mais pobre.
Não foi só o negro que passou por isso, mas também o índio e a maioria dos assalariados. Sem direito à uma escola de qualidade e à condições mínimas de sobrevivência, passou a existir a lei do “FAZERMOS O QUE PUDERMOS”, e assim a sociedade vem através dos tempos, massacrando toda essa classe de pessoas, que não têm sequer dignidade para se dizer um cidadão, ou indo ainda mais longe: Não se considera com o direito de sonhar!
Hoje, com as leis dos direitos humanos aparecendo de todo lado, com a consciência de alguns começando a doer, surgem os primeiros traços de esperança de igualdade entre os homens.
Todo o sistema é falido, mas começa a ser repensado. É urgente melhorar a educação nas escolas públicas: isso é um direito de todos! Todos temos direito à Faculdade, isso também é claro! Mas ao branco, tudo é sempre mais fácil. Um emprego, uma bolsa em Faculdade Pública ou Particular, uma vaga de estágio. “Ele é pobre, mas é tão bonitinho!” Ao negro, discriminado, andando sempre à margem da sociedade, como se a cor de sua pele fosse realmente sinal de doenças infecciosas, nada! Nem vaga, nem tadinho, nem bonitinho. “Ele já é bandido desde sempre! Que se vire!” Como se o rótulo colocado no passado necessitasse sobreviver pela eternidade.
Por esse lado, observando que nossa sociedade é racista sim, que enxerga na cor da pele um empecilho aos dons da inteligência e ao progresso, vejo no sistema de cotas um meio de iniciar o reparo e a conscientização quanto a importância de dar ao negro o que lhe é de direito e sempre lhe foi negado: a oportunidade de crescer, de ser um cidadão, de ser livre e de poder sonhar.
Se as cotas foram a única forma que os movimentos negros conseguiram para fazer com que o povo parasse para pensar em toda maldade, toda privação e toda discriminação que ofereceram durante anos a fio ao povo negro, “PALMAS ÀS COTAS”. Se o negro, para provar sua capacidade e sua inteligência numa sociedade racista e nojenta, precisa das cotas, “QUE TENHA DIREITO ÀS COTAS”. Se para a sociedade enxergar que eles estão aí, e que precisam de uma chance para demonstrar sua capacidade e importância: COTAS, SIM. Cotas para tudo, se for preciso. Cotas para o negro discriminado, cotas para o branco pobre, cotas para o indígena, cotas, cotas e cotas.
Enquanto a sociedade for discriminatória, racista e desumana, é preciso que existam leis de amparo aos desfavorecidos, para que essas pessoas possam ter de volta a sua dignidade perdida.
Ainda sonho com um mundo justo, feliz, sem classe sociais, onde o direito à vida seja primordial, e onde o sistema de cotas não precise existir para que o indivíduo possa ser livre! Mas hoje... isso é só utopia!
Então, sim ÀS COTAS!
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