Reflexões de um aniversariante (80 anos)
(Palavras pronunciadas pelo autor, ao ensejo de seu 80°. aniversário, ocorrido 20 de Julho de 2002, em sua chácara, às margens do rio Cuiabá – praia Vereda – Santo Antonio do Leverger, Mato Grosso).
Minha gratidão por estarem comigo neste local, que tanto amo e neste dia, que marca os 80 anos de minha trajetória pelas veredas da vida (este local se chama “Vereda”).
Como chegar aos 80? Qual a receita? A fórmula? Muitos me perguntam.
Fórmulas e receitas não existem, é claro. O que tentarei fazer é listar alguns fatos que poderão abrir caminhos para a interpretação de cada um de vocês: INFÂNCIA, livre, segura e muito sadia, que me fez acreditar , desde cedo, nos valores positivos da vida, na liberdade, na justiça, no amor que constrói e engrandece a existência humana; ADOLESCÊNCIA, vivida na orfandade paterna, difícil, dura, que me amadureceu precocemente, pois que trazia em mim uma alma inteira, forte, repleta de amor, de fé e de crenças. Assim, fui um adolescente feliz, pois que, a par da ampliação dos meus valores intelectuais, mantive, intatos, os meus princípios morais e espirituais, forjados na infância; MOCIDADE, reduzida, pois que me casei aos vinte anos incompletos e, aos nove de casado, era pai de cinco filhos, há muito formados em Universidades, educados e estruturados nos quadros de uma família extraordinária, da qual muito nos orgulhamos, eu e minha esposa; IDADE PRESENTE, feliz pelo que sou, simples, sem problemas, inimigos, temores e remorsos; olho a vida de frente sem nada para esconder ou algo de que possa me envergonhar. Amo meus parentes e amigos, sem permitir, jamais se instale em meu coração o desprezo ou o ódio a quem quer que seja. Durmo tranqüilo; apenas não sei se sonho, pois que não me lembro dos sonhos quando desperto.
Após meu casamento, minhas atividades se voltaram para a literatura, trabalhos no quintal, chácara e pescarias.
Busquei, sempre, a tranqüilidade, a paz, o sossego, dentro de uma solidão sadia, capaz de levar-me à meditação, à reflexão.
Aos 49 anos deixei uma carreira brilhante, como gerente do Banco do Brasil no Congresso Nacional, para me aposentar, no limite mínimo de tempo, tendo sido convidado, antes, para servir, como adido, a uma Embaixada na África, onde receberia maior salário, pago em dólares.
Desde então imprimi em minha vida rumos e objetivos novos, viajando bastante por nosso país, pela América do Sul e dez países da Europa.
Hoje, descortina-se à minha frente o rio da minha infância; ao redor, mangueiras e outras árvores por mim plantadas; passarinhos de diferentes plumagens e variados cantos povoam o meu quintal, muitos dos quais constróem seus ninhos no telhado de minha varanda e, com muita freqüência, quase tropeço em filhotes que se dedicam ao aprendizado do vôo, seguidos de suas mães. Cuido do meu pedaço, meu jardim, minha horta e faço de minha varanda pista de caminhada diária, em torno de 120 voltas ou, aproximadamente, 4.500 metros.
Quando a lua é cheia, com alguma freqüência, dirijo-me à praia e ali me posto, com a alma de joelhos, ante a grandiosidade do quadro: o rio descendo, silencioso; a praia, de areia branca e vasta, povoada de curiangos e outros pássaros noturnos; ao longe, o mugir de vacas ou o cantar de galos, equivocados, ante o esplendor da lua. E eu, ali, quase de joelhos, pequenino e feliz, um minúsculo ser, no contexto geral, tão belo e grandioso. E, então, me recomponho. Torno ao aconchego de minha casa, confortado e profundamente feliz. E, quando começo a sentir que estou crescendo em minha vaidade ou no meu orgulho, volto à praia e tudo se repete. Sinto aumentado o meu amor, o desejo de ser bom, humano, justo...
Acredito, por outro lado, haver conseguido, desde criança, aquele sonhado equilíbrio entre o corpo e o espírito e desenvolvi, como poucos, talvez, um considerável amor próprio, sustentáculo irradiador dos meus outros amores a pessoas, animais, pássaros, natureza...Amor aberto em leque, capaz de extraordinárias compensações, quando incompreendido ou ferido em uma de suas direções, evitando-se, com isso, o rastejar ou o cair de joelhos. Detesto essas posturas, não por orgulho, mas por amor próprio e altivez.
Creio, também, e tenho até certeza, que o recolhimento, a solidão, nos ajudam e muito a encontrarmos a nós mesmos e vislumbrarmos caminhos novos e novas emoções.
Sou um solitário congênito, não doentio. Adoro encontros e reuniões, como estas: bailes, noitadas, cantorias.... No entanto, convivo muito bem com a solidão e chego a ter a pretensão de qualificar a minha, como a maior de todas, quando digo em:
Solidão interior
Imensa é a solidão que vem das matas
E aquela que se estende nas planuras!
A que provém do céu, lá nas alturas,
Ou que murmura, além, entre cascatas!
Aquela que contorna e envolve os rios
E vai pousar, tranqüila sobre os lagos!
Que a brisa traz às praias, entre afagos,
A nos tornar mais tristes, mais vazios...
Grande, demais, é a solidão do mar!
Da tarde que desmaia a soluçar,
Buscando no horizonte seu jazigo!
Mas, a maior, a solidão mais triste!
A mais profunda solidão que existe,
Não vaga por aí...Mora comigo!
Eis aqui um pouco do que sou. Meus lamentos e meu grito também.
Há lágrimas e dores em meus poemas, perdidos, porém, num mar de otimismo, muito amor, muita crença, fé e esperanças.
Só me resta agora agradecer a Deus por me haver dado parentes e amigos como vocês. Obrigado!
Antônio Lycério Pompeo de Barros
20 de julho de 2.002