Apresentação do Livro "Imaginação VIII"
Durante toda a minha infância, e grande parte da adolescência, que eu recordo, eu tinha querido ser os outros, sempre. E sendo os outros, eu consegui saber o que não era eu. Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil. Pensei: Minha experiência maior seria ser o outro dos outros: e o outro dos outros era eu. Então me arrisquei, numa sociedade coloidal, ser eu. E descobri o grande barato que é ser Levina. Definitivamente, não é para qualquer um. E aqueles que se lembram de mim, durante os meus estudos aqui no Colégio Presbiteriano, tenho certeza, balançam a cabeça, concordando comigo, e nem sabem, de fato, quem sou, hoje. Não imaginam o vulcão de idéias, pensamentos, emoções e sensações, que me implodem AGORA, neste exato momento.
Agora, a única ferramenta capaz de nos tornar aquilo que realmente somos, é a palavra. Parece contraditório precisar se tornar, aquilo que, em tese, já somos. Mas Clarice Lispector define isso muito bem, e digo, concordando com ela, que a minha vida se divide em dois grandes momentos. Eu escrevo, e depois, passo o resto do dia representando com total obediência o papel do ser. Como ela, escrevo, não porque sou um poeta. Porque o poeta é um quase-deus, e estou longe disso, e nem quero chegar a tal. Ser humano é infinitamente mais excitante. Mas escrevo, para salvar a vida de alguém. Provavelmente, a minha própria. Eu sou através das palavras, das estórias, dos versos, e da prosa. Eu sou aquilo que me agrada e me encanta. Ninguém é o que vêem os outros. Somos o que ninguém consegue enxergar. Sou, para os outros, a mais distinta das senhoritas. Vida pacata, cheia de religiosidade. Nunca me dei a baladas, não tenho um histórico de namorados. Mas isso é o que vêem, assim como eu vejo a integridade dos senhores, hoje. Mas só eu sei, e mesmo assim, depois de algum tempo é que descobri, que longe estou deste ser imaculado. A poesia me fez assim. A poesia é uma anátema! Sou o que meus olhos carregam. Sou a promiscuidade doentia de Almodóvar. Mas também lhes venho, apaixonadamente, como Peri. Eu sou machadiana, e carrego comigo um mistério maior do que Capitu. Sou a Vaca Profana de Caetano, anarquista. Meus cornos estão pra fora, e acima da manada! E clamo pela democracia, como clamaram os versos de Buarque. Eu sou bossa-nova, como me confere a carteira verde do Sinatra-Farney. Sou a pudica Margarida, de Bernardo Guimarães, e sou a mais Rodrigueana das mulheres. Não é o que vêem, os senhores. Mas é o que eu sou, quando estou com as palavras. Só com as palavras.
Atravesso mares para estar com Pessoa – “o poeta é um fingidor, e finge tão completamente, que finge não ser dor a dor que deveras sente...”. Mas não resisto o meu nordeste, a Bahia de Caymmi, o baiano maior de todos, ao Rio, de Vininha, o branco mais preto do Brasil! Ai! Vininha... expressão máxima da VIDA. Iniciou-se na maçonaria, cumpriu os sacramentos da igreja católica, até casar-se com uma Iyalorixá, e se iniciar no candomblé, tornando-se, inclusive, pai de santo. Viveu nove matrimônios, e fora apaixonado por todas elas, e por mais algumas, na verdade. Algumas muitas. E quando indagado sobre quantas vezes ainda se casaria, responde, com seu humor peculiar: Quantas forem necessárias. Entregou-se à boemia, fazendo de um copo de uísque, seu mais fiel companheiro. Estudou Letras, Direito, e se formou na Academia de Oficiais da Reserva. Deixou a carreira diplomática, e a poesia, para ser um show-man da MPB e atravessar o mundo viajando. Tornando-se um comunicador, assistente brasileiro da BBC, e, mais tarde, crítico de cinema. De uma alma surpreendentemente generosa, sem nenhum exagero, lançou outros grande nomes da poesia e da música, entre os quais, Tom Jobim, Quarteto em Cy... E aceitou, em seu flat, e se fez tutor de Maria Bethânia, quando, aos 18 anos, chegou ao Rio de Janeiro, para substituir Nara Leão no teatro Opinião, ao lado de João do Vale e Zé Kéti. Sofreu acidentes graves, de carro, de avião. Sua própria vida fora feita de acidentes... Morreu em 9 de julho de 1980, quando desfrutava da companhia de Toquinho. Aí, vejo agora os senhores, alguns admirados, outros espantados e, até, indignados... Ora, não levem Vinícius tão a sério... Ele não nasceu para ser levado à sério. Vinícius viveu para se ultrapassar e se desmentir. Para se entregar totalmente, e depois, fugir. Ele jogou com as ilusões, porque sabia que a vida nada mais é do que a ficção encarnada. Drummond justa e sabiamente dissera: “Vinícius foi o único de nós que realmente teve a vida digna de um poeta. Porque ousou viver sob o signo de suas paixões. Ou seja, da poesia, em seu estado natural.”
A vocês, meus poetinhas do agora, que carreguem consigo um pouco desse legado morariano. Na verdade, só um pouquinho, porque um Vinícius de Moraes, penso, sua alma não sobreviveria ao mundo atual. A sociedade intolerante e hipócrita de hoje não está preparada para olhar nos olhos de um Vinícius de Moraes. Deus o levou no tempo certo. Sejam vossas almas, como a dele: um labirinto em busca de sua própria saída.
"Poeta, meu poeta vagabundo, quem dera todo mundo fosse assim feito vocêque a vida não gosta de esperara vida é pra valera vida é pra levar,Vinicius, velho, sarava!"Samba Para Vinicius(Toquinho e Chico Buarque)