DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA FEMININA MINEIRA DE LETRAS

Meus caríssimos convidados, colegas, amigos, parentes, pessoas ilustres... Obrigada, pelas presenças. Conclamar Santa Clara é um dever. Ela é a padroeira da Academia Feminina Mineira de Letras. Sua mãe antes de parto ouviu uma voz: - “Não temas. A luz daquela que vai nascer resplenderá com mais claridade que a luz do sol”. Sua mãe guardou essas palavras no seu coração e deu à filha o nome de Clara. Nesse momento peço a Santa Clara que ilumine minhas palavras e as faça chegar a cada um com a clareza que eu gostaria.

Vou ocupar a cadeira nº 36 de Maria José Ferreira – cuja patrona é Maria Guiomar Amorim Ferreira. Maria Guiomar foi durante anos professora no Instituto de Educação de Minas Gerais. Foi professora e grande amiga de Maria José que quis homenageá-la dando seu nome a sua cadeira do qual se tornou patrona. Mas é sobre Maria José que gostaria de falar e lembrar a brilhante figura humana que foi, e a todos encantou na sua passagem pela Academia.

Foi extremamente alegre, cheia de vida. Carioca de nascimento tornou-se mineira com o nosso convívio. Filha de portugueses morou em São Paulo, Portugal, Rio de Janeiro – onde começou seus estudos, e os terminou aqui em BH. Pianista por vocação e amor alegrou durante anos as festas do colégio e da família. Foi muito querida pela Comunidade Luso-Brasileira da qual fez parte da diretoria. Todavia destacou-se como mestre em inglês – Literatura Americana e Teatro – pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais em Belo Horizonte. Foi professora de inglês de várias escolas de Belo Horizonte, inclusive Instituto de Educação de Minas Gerais e Escola Estadual Governador Milton Campos. Foi bolsista do governo dos Estados Unidos da América – Comissão Fulbright – na Universidade do Texas em Austin, Texas, na Universidade do Alabama em Birmingham, Alabama, e do governo de Portugal na Universidade de Évora no Alentejo.

Todas estas informações me foram passadas pelo seu único irmão Drº Luiz Artur Ferreira e sua esposa Otília que me receberam em sua casa com muito carinho.

Maria José não se casou. Dedicou sua vida ao trabalho e a família. Dava aulas de manhã à noite, sempre com uma alegria que marcou seu caráter tornando mais difícil a sua ausência.

Pois bem estou bastante orgulhosa em ocupar a cadeira de pessoa tão emérita. Sinto-me impulsionada a muito trabalhar pela grandeza desta Academia.

Quero agora falar um pouco, ou melhor, confessar-lhes sobre as maravilhas da força da palavra e o quanto foi importante na minha vida. “No começo a palavra já existia. A palavra era Deus. Tudo foi feito por meio dela e, de tudo que existe, nada foi feito sem ela. Nela estava a vida e a vida era a luz dos homens. Essa luz brilha nas trevas e as trevas não conseguiram apagá-la. E o verbo se fez carne e habitou entre nós.”

A palavra me salvou! E é sobre ela que vou falar já que a utilizamos como referencial em nossas vidas. Amo a palavra escrita e falada. Presentes de Deus podemos usá-las para o bem e o mal. É faca de dois gumes. Todavia somos livres para fazer a escolha. Quantos pais sufocam uma vida, usando mal suas palavras; acabam com a auto-estima de seus filhos destruindo sonhos e projetos. Todavia, a palavra também salva quando dita com amor... na hora certa. Tanto a palavra escrita como a palavra falada têm forças incomensuráveis. Tem um poder incapaz de ser definido. Um grande pregador arrasta multidões. Cristo, na sua passagem pela Terra, ia levando pessoas por onde fosse. O que falou e deixou escrito converte, convence, leva vida. Por suas palavras há guerras sem fim. Estou falando das palavras de um Deus, mas, um homem, Gandhi, pela palavra libertou um país. Pessoas há que, sem medir bem as palavras, provocam verdadeiros terremotos. Outras, com palavras medidas e pensadas enobrecem e enriquecem pessoas. Infelizmente, há momento infeliz em que, sem muito medir as palavras, provoca mágoas, feridas difíceis de cicatrizar. A única medida que possuímos para medir o outro é a nossa medida e nem todos são do mesmo tamanho. Aprendi, no Catecismo, a força da palavra “Faça-se”, uma palavrinha capaz de determinar um Deus salvador da humanidade. Aprendi também o cuidado que se deve ter em elaborar e formular palavras. Aprendi com Emile Couè que se eu disesse todas as noites, antes de dormir: “todos os dias, sob todos os pontos de vista, estou cada vez melhor”, eu me garantiria estar cada vez melhor, mesmo diante do impossível. Palavras escritas ficam no papel e sua duração é maior do que a vida do ser humano. Palavras faladas ficam gravadas no coração e sua duração depende de quem as possui. Escrever para mim é dar um recado. De repente descubro maneiras novas e interessantes de observar um fato, uma pessoa, uma paisagem. Então penso: Será que todas as pessoas estão vendo como eu vejo? Se aquela observação, aquela descoberta me faz feliz, me faz crescer, quero logo transformá-la num texto, num verso, numa frase. Acontece que nem sempre a emoção é cristalizada, é elaborada a ponto de se transformar na jóia que é a palavra. Incompetência, vazio de alma, pouca erudição... Sei lá quantos micróbios atacam o computador cerebral, só nos restando a aceitação ou a esperança de que um anjo sopre a palavra certa, que nos dê mais sensibilidade e que fluam os sorrisos da alma. Há dias, sim, em que as palavras são límpidas, transparentes e o texto jorra água pura. Então fico banhada de luz e mesmo sabendo que aquilo é presente do céu, fico realizada. Sinto paz, a paz da missão cumprida. Escrevo, a princípio, por prazer... Escrevo também por compulsão, necessidade de libertar as emoções, os conflitos e questionamento. Ultimamente, depois de longa caminhada, escrevo para dar um recado. Um Recado para mim mesma. Depois das idéias trabalhadas, modeladas e esculpidas coloco-as no papel e as percebo melhor, na forma e no conteúdo. Gostaria de despertar nas pessoas o convívio com a palavra, para que recebessem dádivas: o autoconhecimento que a palavra nos dá. O ato de escrever muito tem a ver com o talento (dom de Deus), porém para cristalizar a palavra o mínimo é necessário. Cora Coralina, a grande poeta, só cursou o primário. Certamente, além da emoção, da intuição, de uma boa idéia, deve-se escrever correto e buscar uma bela construção. Só não devemos escrever policiados. É fundamental ouvir a voz do coração. Escrever o que der na telha. Ouvir o inconsciente. Tão bom deixar o lápis correr, ou ouvir as batidas do computador sem se preocupar com a gramática. Depois, então, o texto pronto, fazer as devidas correções.

O que importa é a essência, o conteúdo, a alma do texto. Escrever é resgatar aquilo que de alguma forma ficou depositado no subconsciente ou no inconsciente. O ato de escrever, não importa o que for, é sempre assim; você começa a puxar um fio invisível, nunca sabendo o que virá, nem o momento vivido que será resgatado, às vezes consciente, outras inconscientemente. Uma pescaria no mar da vida. De alguns peixes você se lembra; outros esquecidos num mar remoto surgem para surpreender. E nessa instigante pesca começa o trabalho do escritor. Depois preparar o peixe com os mais variados temperos para ser saboreado com prazer e também ser oferecido àqueles que apreciam um bom prato. O escritor vive na fronteira da realidade e ficção. Nesta canoa ele embarca num mar de verdades e mentiras. É um perigo, sim! Mas é bom viver perigosamente! Escrevo o dia inteiro mentalmente e imagino que meu cérebro seja um computador. Diversas vezes paro, penso e registro minhas emoções. Nem sempre posso colocá-las no papel, mas só o fato de registrá-las me faz muito feliz. Sempre que posso sento e escrevo, na sala, no escritório... Quando viajo percebo maior ebulição de pensamentos por isso nunca estou sem papel e lápis na bolsa. Perder lindas imagens é inconcebível; nada pode ser desperdiçado. Na realidade não tenho muito método. Gostaria de disciplinar meus momentos lúdicos da escrita. Para fazer um texto é preciso um computador, ou caneta e papel e uma boa idéia. Pablo Neruda disse que basta ter a letra maiúscula para começar, um ponto final para terminar, e a idéia para o meio. É necessário organizar bem as idéias para uma boa compreensão. Ler e reler o texto e cortar. Cortar o que não é essencial. As idéias devem fluir com bastante espontaneidade. Um texto duro, formal, pernóstico é difícil de ser lido e nada fica registrado. A linguagem deve ser atualizada, correta e dinâmica. Quem começa o texto é o escritor, mas se ele descuidar o texto o domina. Dicionário?! Adoro palavras! Como é bom encontrar a palavra certa quando a buscamos em vão. Para a minha criação literária, conto em primeiro lugar, com minha sensibilidade e memória. Guardo em tela, num cantinho do meu cérebro, todas as cenas que marcaram minha infância, juventude e marcam minha maturidade. Uma palavra, um gesto, um olhar, alguma cena detona o “flash” e as palavras brotam em profusão. Falta-me, muitas vezes, competência para colocá-las, como merecem, no papel; porém o prazer, o encantamento “da volta” é sempre infinito, não importa se é infância, adolescência ou cenas vividas no momento. O que importa é a catarse, é o fluir do furacão guardado em forma de palavras. Acredito que o conseguir trazer de volta todos esses fatos é uma terapia de primeira linha. Tudo volta depurado, analisado, sempre de forma positiva. É como se eu vivesse outra vez o momento, da forma que desejo. Apesar de toda tecnologia, o espaço da palavra escrita continua.

Diz o ditado que toda pessoa deve plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Já plantei muitas árvores, muitas mesmo, de diversas espécies. Tive quatro filhos, mas gerei oito. Sempre sonhei escrever um livro para completar o ciclo do ser humano aqui nesse planeta. Confesso que escrever um livro foi a mais difícil de todas as tarefas. Como os filhos – gerei vários livros, mas só consegui editar três. Os outros nasceram fora do tempo.

Incentivar uma criança a ler não é difícil. Como mãe, ensinei pelo exemplo. Sempre li muito e todos os meus filhos são devoradores de livros. Como professora cobrei e ainda cobro bastante leitura de meus alunos. Apaixonei-me pela leitura quando comecei a ler. Durante o curso primário fui bibliotecária da 1ª a 4ª série cuidando, remendando, emprestando livros. Na juventude devorava os livros da única biblioteca privada (do Sr. Chico Franco) de Itaúna. Era amiga de sua neta Marta Franco que me emprestava quatro, cinco livros de cada vez. Lia-os escondida a noite, porque meu pai dizia que durante o dia precisava aprender prendas domésticas para ser uma boa esposa. Li toda Revolução Francesa em vinte e tantos volumes e todos os escritores da minha juventude: Guy de Maupassant, M. Dely, Monteiro Lobato, José de Alencar, Machado de Assis, Malba Tahan,...

Nas horas vagas gosto muito de ler, fazer tricô e cuidar das plantas. Mas o que gosto mais é de escrever. Escrever para mim é terapia. Tenho guardado num cantinho do meu cérebro todas as emoções desde que nasci. Para registrá-las, transformá-las em palavra escrita basta um olhar, uma lembrança, um sonho... É preciso detonar algo para puxar o fio da meada. Platão, o filósofo grego temia que a escrita destruísse a memória e atrofiasse a sensibilidade. Todavia a visão contemporânea valoriza a escrita como ferramenta de transformação da consciência.

O mundo dos livros é também maravilhoso, mas não é melhor do que o mundo real. No mundo dos livros sou leitora-expectadora. Vivo emoções armadas por outros. No mundo real sou a protagonista das minhas emoções. Sou eu que decido se quero ou não ser feliz. O poeta é o ser menos solitário do planeta. Tem em sua mente, no coração, um mundo só seu - repleto de personagens, situações, imagens que enriquecem sua vida. Pode estar só, mas nunca é solitário. O que eu diria para um jovem escritor? Continue amigo, não deixe nunca de escrever. Escrever é terapia, conhecimento, desnudar a própria alma. Se quiser se conhecer, como ensina o psicólogo, escreva. Através da escrita terá um encontro consigo mesmo.

Como vêem, a palavra é fundamental na minha vida. Confesso, novamente, ela me salvou. Gostaria de passar para todos, esta maravilhosa experiência. Leiam, escrevam palavras salvíficas, e o mundo também será salvo.

Não posso encerrar a minha fala sem evocar minha avó – Aureslina de Faria Nogueira. Mulher do século XIX quando as mulheres nada mais eram do que mães e donas de casa. Aureslina, casada com um fazendeiro, mãe de quatro filhos, arregaçou a mangas e fundou o 1º jornal de Itaúna “A Violeta” aonde só ela escrevia artigos sobre moral, virtudes, temas de crescimento espiritual.

Ela sozinha fazia o jornal à mão, e o entregava na porta da igreja no término da missa do domingo.

Aureslina sonhou muito. Convenceu o marido a vender a fazenda e vir para Belo Horizonte a fim de educar os filhos.

Infelizmente deu tudo errado. O marido só sabia ser fazendeiro. Aos poucos o dinheiro foi se acabando, os sonhos transformando-se em cruel realidade e a escritora sucumbiu-se num túnel escuro, sem saída.

Pois bem, Aureslina, aqui estou, sua neta, recebendo o que por direito é seu. Correm em minhas veias seus sonhos corajosos, a vontade de sua alma guerreira de lutar, brigar, para conquistar sonhos.

Em suas mãos, Aureslina, criadora do 1ª jornal de Itaúna, coloco este meu título de “Membro da Academia Feminina Mineira de Letras.”

Maria Eneida
Enviado por Maria Eneida em 28/07/2008
Reeditado em 28/03/2011
Código do texto: T1101398
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