História e Ideologia
Aprecio muito as abordagens históricas e cada vez que a gente vai mais fundo descobre mais coisas que ficaram, na contemporaneidade, veladas.
A pesquisa histórica é não apenas cumulativa, mas qualitativa, na medida em que muitos documentos vêm a tona com o tempo e imprimem uma outra qualidade ao juízo que se fazia anteriormente a respeito de determinadas conjunturas históricas. De maneira que fica
difícil fechar um significado ou sentença que expresse plenamente e definitivamente o evento histórico significante. Por exemplo, durante muito tempo eu imaginava que a República teria sido um avanço, tendo a visão da História brasileira como uma linha em progressão. No entanto, hoje percebo que, em muitos aspectos, inclusive o ambiental e social, a República foi um retrocesso.
Ao ler documentos legais do regime sesmarial, que durou até o fim do século XVII, não é difícil peceber que a Coroa Portuguesa, em sua atividade legisferante tinha princípios definidos, como o respeito pela terra dos índios e, pasmem!, pelos posseiros das glebas. Na verdade foram mesmo os brasileiros que não aceitavam as regulações da
Metrópole. A pesquisa histórica falseia o discurso político-ideológico de tom apologético que atribui à elite brasileira e "branca" a exclusividade da perversidade contra todos os outros oprimidos que não eram elite. E aquela elite não era necessariamente branca: havia os mamelucos, como na casa Torres D'Àvila, grande latifundiária da Colônia, cujos domínios alcançaram desde a Bahia ao Piauí e cuja descendência brasileira saiu do ventre de uma matricarca indígena.
No Império era possível, desde antes da Independência, por meio de posse mansa e pacífica de um quinhão de terra, legitimar a mesma por usucapião de 40 anos. E quanto mais o tempo passou, e os cofres públicos foram sendo dilapidados, mais o Estado se ancorou na propriedade de todo o território nacional para garantir a sobrevivência das finanças públicas. Na República a coisa desandou, a exemplo do agravamento da concentração fundiária: as terras devolutas, que foram transferidas em grande parte do GovernoCentral para as unidades federativas, passaram a ser intocáveis, impassíveis de usucapião. Então, os grandes latifundiários predadores se enquistaram no poder bem mais a vontade, já que agora estavam livres da regulação do poder metropolitano para contra-peso. Estiveram, efetivamente, boicotando constantemente a reforma agrária que já era
defendida por José Bonifácio desde o Primeiro Reinado. Assim que não consigo concluir que a República representou necessária e exatamente uma evolução em nossa vida política.
Portanto, em História a renovação do acervo de dados é uma constante e assim é preciso sempre estar aberto a reformulações, o que contradiz a cristalização de ideologias que se arvoram a condição de donas da verdade.