O nosso maior vício: o outro
Olá.. este é um trecho do meu livro a "Última Estrela", uma reflexão feita pela personagem Clara:
"Eu estava infinitamente cansada de viver em meio a um círculo vicioso, coagida pelas voltas de uma roda-gigante que ao fim de cada giro fazia-me descer em uma existência vazia, mas ... não estaríamos todos nós destinados a andar neste brinquedo? Parecemos trazer por natureza uma parte oca no espírito. Alguns por possuírem uma personalidade mais ardente demoram a se dar conta, mas o que realmente nos diferencia é o modo como iremos cobrir este espaço em nosso interior e é preciso cobri-lo antes que a angústia faça isto por nós.
Os vícios sempre surgem como um cimento tentador embriagando-nos em prazeres que, de imediato, nos dão a falsa sensação de liberdade. Tolos que somos não nos damos conta de quão efêmero é este efeito milagroso e logo estamos soltos novamente na realidade mais sedentos por alívio do que antes.
Enganam-se, contudo, os que vêem na bebida, no fumo ou em qualquer outro tipo de droga os principais causadores de dependência. Sem dúvida são eles grandes vilões da sociedade, mas acabam sendo conseqüência do maior vício que acomete toda a raça humana: o outro. Somos viciados no outro, muitas vezes sublimamos nosso próprio eu para vivermos em função de alguém a quem juramos devotar amor quando estamos, na verdade, devotando morte, pois assim nos neutralizamos, nos apagamos como pessoas.
Trazemos de nascença o preconceito de que só alcançaremos a felicidade se tivermos a plena aceitação de nossos semelhantes, se formos sempre correspondidos, amados e, ao primeiro sinal de rejeição, perdemos todo vontade de viver. Sofrer rejeição é acontecimento certo na vida de qualquer um, pois o outro tem suas peculiaridades e, muito raramente, atende nossas expectativas.
Esta cultura de apego ao “tu” e não ao “eu”, é uma forma de tentarmos saciar este vazio. Acreditamos que, se houver alguém ao nosso lado na cadeira da roda-gigante, desceremos no paraíso ao fim de cada volta. É impossível viver sozinho, precisamos de amor, mas não podemos fazer de nossas relações algo doentio ou algum tipo de escada para salvação. Enquanto vivermos com esta idéia, o oco da alma continuará a nos sorver, pois a única areia capaz de cobri-lo é a aceitação de uma existência superior à nossa; superior e divina o suficiente para nos dar a chance de irmos a Ele por nossa própria vontade e não a partir de uma prisão psicológica como a causada pelos vícios."