Bosque das ilusões perdidas
Lá no pé do morro, lá pra mais longe, existe um bosque verde e ocre.
Um muro alto limita minha visão, mas eu tenho a certeza que ele continua do jeitinho que eu deixei. Com as árvores marcadas de canivete suíço, corações e iniciais que me marcaram a ferro e fogo. Infelizmente eu não me lembro de quem eram as iniciais, mas me lembro de ter a pele rígida, os sonhos explosivos e a esperança continuamente visitada.
As tardes eram infinitas, os olhos curiosos de descobertas banais ainda me marcam os sentidos, as bocas sincopadas se tocavam enquanto cantavam os invisíveis pássaros.
Eram tantas alegrias que parecia um belo sonho.
A gente vive, e depois esquece tudo o que viveu. Vive o presente, planeja o futuro e morre frustrado. Eu não... Eu vivo o passado, e revivo renitentemente, afinal, é o que me mantém vivo.
Teve uma vez, era minha primeira namorada dos tempos de infância. Loira, de olhos azuis e pele de porcelana doce. Seu nome? Acho que era Rahisa... Flor em árabe. Nós ficávamos abraçados até escurecer, falávamos de verdades mutáveis e incansavelmente nos acariciávamos. Lembro-me de tantas promessas que eram feitas no sufocar de um abraço. Viver junto e ter filhos, até de nomes a gente conversava.
Esse bosque era mesmo mágico. Agora esse maldito muro proíbe a minha entrada, mas eu tenho a certeza que, se escalá-lo, conseguirei ver-me com treze, quatorze anos de idade. E direi para mim mesmo: -Você não sabe o que te espera...
E me orientaria para não ser o que hoje sou. Falaria para não sair do bosque. Não experimentar o primeiro cigarro. Não beber o primeiro gole. Não experimentar as drogas. Não fazer desse ou daquele jeito com as mulheres. Continuar com a música, e dar valor a quem lhe quiser bem.
Uma vez eu bem que tentei me alertar, mas eu não me escuto.
Moleque burro!
Acho que nessa época eu não era burro, eu apenas estava enfeitiçado.
Tive também uma outra, de nome Amanda. Essa sim me encantava. Nós escrevemos as nossas iniciais em vários lugares, não me lembro mais porque fazíamos isso, mas as forças telúricas saberão. As árvores lembrarão desse dia, afinal, cicatrizaram para nossa alegria. Era morena de olhos verdes e simétricos, gostava de carinhos com ponta de dedos e dormir igual filhote de gato. Tinha um sorriso brilhante e encabulado.
Acho que eu vou já pegar uma escada!
Correr o mais rápido que puder e subir o mais rápido que conseguir, ao chegar no topo, pularei.
Nem que caia de cabeça, será melhor do que eu vivo agora. Cair de cabeça e pronto, tudo acabado...
Mas eu acabei de dizer que o bosque é mágico, lá eu não morreria, pois a minha alegria estaria me esperando.
É horrível escrever tudo no futuro do pretérito, e não só futuro, ou passado.
Teve também uma outra... Elaine. Morena de olhos cor de jaspe e doces lábios. Pele macia e voz aguda. A gente fazia o dia chegar suavemente aos cuidados do não muito exigir. Apenas nos apreciávamos em júbilos entardeceres. Era mulher mais velha e mais vivida, mas ao meu lado era criança como eu. Ríamos e desejávamos um ao outro, até em casamento e rebento a gente conversava. Medo me aspirava a nuca, mas mesmo assim o bosque me acalantava em farta saciedade. Mas eu creio que ela ainda está lá, elevada em panteão e sorrindo com o mesmo sorriso de antigamente. Entregando-me cartas e sorrisos amorosos.
Se a sabedoria do mundo está para nos ensinar, exijo que ela mantenha aquele bosque para sempre! Ele é o verdadeiro apogeu da minha súplica existência. Ele foi, é e será mágico.
Tenho opção melhor, acho que todos deveriam passar para o lado de cá, e egoístamente fenecerem comigo. E saibam que a vida nos reserva o que fazemos com ela. No meu caso, dor é o caminho mais coerente.
Hoje eu tentarei mais uma vez escalar o pequeno muro, infelizmente ele fica cada dia mais alto. Não sei se é porque eu perdi o endereço da alegria, ou se tudo não passou de ilusão.