A sublime arte de elogiar textos sem mérito
Ah, o elogio… esse ornamento da vida literária, esse manto de seda que suaviza o espinho da verdade e transforma a mais indigente das produções textuais em algo que, com a entonação certa, pode soar quase genial. Porque não se iluda, caro leitor — há uma arte delicada, sutil e requintadíssima em elogiar aquilo que, no fundo, merecia apenas o silêncio compassivo ou, no máximo, um leve aceno de cabeça carregado de misericórdia estética. Mas nem todos são capazes de desempenhar esse papel com a necessária elegância. É preciso domínio de léxico, sofisticação retórica e uma alma treinada no teatro das palavras vazias. Por isso, humildemente, compartilho aqui um pequeno manual para aqueles que desejam se destacar na nobre arte de bajular textos sofríveis com verniz intelectual — afinal, há sempre um amigo sensível, um colega de grupo literário ou um conhecido insistente a ser poupado da dura realidade.
1. Exalte a intenção do autor
Quando o texto parece um rascunho de guardanapo escrito durante um soluço existencial, não critique: louve a intenção. Diga algo como:
"Percebi aqui uma intenção poética muito interessante..."
Sim, a intenção — essa entidade quase espiritual que absolve erros gramaticais, repetições sofríveis e metáforas de dar calafrios. A intenção é o novo talento. Se não houver qualidade, que ao menos haja pretensão.
2. Enalteça a ousadia da linguagem
Se a pontuação foi assassinada com requintes de crueldade, se os períodos estão em coma profundo e o vocabulário soa como um protesto contra o dicionário, você não vai se expor dizendo isso, claro. Basta observar com um ar contemplativo e soltar:
"Há uma desconstrução ousada da linguagem tradicional, beirando o experimental."
Traduzindo: o autor escreveu tudo errado, mas vamos fingir que foi uma escolha estética arrojada — afinal, o caos também é uma estética... pelo menos é o que diz um ou outro teórico que ninguém realmente leu.
3. Apele para a subjetividade
Quando o texto é vago, sem sentido e absolutamente opaco, diga:
"É uma escrita aberta a múltiplas interpretações."
Essa frase mágica transforma qualquer confusão em profundidade filosófica. O leitor se perde? Ótimo. Isso é “literatura densa”. Ninguém entende? Melhor ainda: virou “escrita simbólica”. E assim, a ausência de sentido se traveste de genialidade.
4. Use adjetivos imprecisos e expressões ocas
O segredo está na linguagem ambígua. Frases como:
"Texto sensível, com nuances muito próprias."
"Há uma força crua nesse lirismo dissonante."
"Uma escrita que provoca, que inquieta, que reverbera..."
Tudo isso soa belo, mas não significa absolutamente nada. E isso é o ápice da arte do elogio: dizer muito sem dizer coisa alguma.
5. Elogie o potencial
Essa é uma das estratégias mais diplomáticas já concebidas. Quando o texto está um desastre, mas você não quer ser cruel, diga com termos encorajadores:
"Vejo aqui um potencial promissor, basta lapidar."
Ou seja: está ruim, mas ainda há esperança — talvez numa outra encarnação, com mais leitura, menos entusiasmo e algum contato com a pontuação.
6. Compare com autores consagrados (mesmo sem critério)
Para impressionar e desviar a atenção da ruindade, nada melhor que lançar nomes ao vento:
"Há algo de Bukowski nessa crueza…"
"Uma atmosfera meio Kafka, com toques de pós-modernidade..."
Claro. Bukowski, Kafka, Clarice, Pessoa — estão todos ali, invisivelmente presentes em meio à bagunça textual, desde que você diga com convicção.
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Conclusão: o elogio também é uma forma de arte — e das mais refinadas
Porque nem sempre é preciso dizer a verdade. Muitas vezes, basta dizer aquilo que o outro quer ouvir, mas com estilo, com lirismo, com vocabulário sedutor e uma pitada de cinismo bem camuflado. A bajulação literária não é apenas uma farsa: é um ritual social que evita guerras e preserva amizades. No fim, todos saem felizes: o autor com seu ego acariciado, o leitor sem culpa por não ter entendido nada, e você — você com a consciência tranquila de ter exercido, com maestria, a nobre arte de elogiar o ilegível.