ANÁLISE DO POEMA * NORMA GOLDSTEIN Editora Ática * 1988

 

 

ANÁLISE DO POEMA * NORMA GOLDSTEIN

Editora Ática * 1988

 

1 As significações "escondidas" no poema

 

Quando se lê um poema, percebe-se que ele contém beleza. Algumas vezes, tem-se até vontade de reler. Mas é difícil que alguém note, de imediato, quanta elaboração existe no interior daquele texto. É preciso ler o poema várias vezes, de maneiras diferentes, para descobrir as suas diversas significações. Talvez isto fique mais claro a partir de um exemplo:

 

CANÇÃO MÍNIMA

 

No Mistério do Sem-Fim,

equilibra-se um planeta.

 

E no planeta, um jardim;

e, no jardim, um canteiro;

no canteiro, uma violeta,

e, sobre ela, o dia inteiro,

 

entre o planeta e o Sem-Fim,

a asa de uma borboleta.

 

(Cecília Meireles)

 

À primeira leitura, a "Canção mínima" revela uma pincelada descritiva, com cenários naturais: planeta, jardim, canteiro, violeta, borboleta. Envolvendo os elementos do cenário natural, é sugerido o "mistério" do "Sem-Fim", mencionado no início e no final.

Pode-se ampliar esta primeira leitura, verificando os vários níveis de construção do texto, o que conduz o leitor à descoberta de novas significações.

 

Caminhos da "descoberta":

as várias leituras do poema

 

Composição gráfica

Comece por notar o espaço que o poema ocupa na página; é quase um desenho: primeiro, um grupo de dois versos, a primeira estrofe. A seguir, um conjunto de quatro versos, a segunda estrofe, que se separa das outras duas, visualmente, por um intervalo ou linha em branco. Por último, a estrofe final. A organização do poema na página, isto é, sua composição gráfica, indica três partes, sendo a primeira e a última graficamente semelhantes.

 

O ritmo do poema

Releia o poema em voz alta, procurando perceber seu ritmo. Os versos ou linhas têm todos o mesmo tamanho. Há sons que se respondem como ecos: sem-fim / jardim; canteiro / inteiro; planeta / borboleta. Algumas palavras aparecem duas vezes: sem-fim; planeta; canteiro. Observe como o conjunto se harmoniza pela cadência rítmica ou alternância entre sílabas fortes e fracas. Efeitos sonoros e cadência equilibram ritmicamente o texto.

 

O léxico e a sintaxe do poema

Observe as palavras que compõem o poema e o modo como elas se organizam. O vocabulário ou o léxico se constitui de palavras simples e conhecidas pelo leitor. Verificando a categoria gramatical dessas palavras, você encontrará um predomínio de substantivos. E verbos? Expresso, apenas um, no segundo verso ou linha do texto: equilibra-se. Este verbo fica subentendido nas vírgulas dos versos seguintes, onde se sugere a repetição de uma situação:

 

E no planeta, (equilibra-se) um jardim;

e, no jardim, (equilibra-se) um canteiro;

no canteiro, (equilibra-se) uma violeta,

e, sobre ela, o dia inteiro.

 

entre o planeta e o Sem-Fim, (equilibra-se)

a asa de uma borboleta.

 

Não só a situação se repete, mas também o modo como as palavras se combinam sintaticamente, já que todos os versos apresentam a mesma construção sintática.

Quanto à pontuação, o poema é rico em vírgulas. Além daquelas que apontam a elipse do verbo equilibrar, aparecem outras e também o ponto e vírgula no final do quarto verso. Esta pontuação se justifica porque o texto apresenta uma enumeração de elementos, separados uns dos outros pela vírgula e pelo ponto e vírgula. É enumerada uma série de substantivos cuja predominância sugere pouco movimento ou estaticidade. A construção semelhante dos versos indica a ligação entre os elementos que compõem o quadro: partes de um conjunto em equilíbrio, como insiste o verbo elíptico (equilibra-se). A organização sintática apóia a intenção descritiva percebida logo à primeira leitura.

 

Aspecto semântico

A composição gráfica, o ritmo, o léxico e a construção sintática do poema trazem ao leitor pistas para ampliar a significação do texto, enriquecendo o aspecto semântico, o da significação. A composição gráfica sugere três partes. O ritmo regular e a construção sintática apontam insistentemente para o equilíbrio do conjunto. Retomando o que já foi observado até aqui, passe a interpretar o poema, ampliando sua significação.

 

Interpretação

O planeta do início está personificado, como se fosse um ginasta que se equilibra. Em que lugar? "No Mistério do Sem-Fim". O estranho lugar do equilíbrio sugere duas interpretações: 1ª) a posição geográfica do planeta Terra no sistema solar, dentro do universo infinito da astronomia; 2ª) os mistérios que ainda persistem neste mundo onde seres humanos e natureza buscam um convívio harmônico. Graficamente, as iniciais maiúsculas de Mistério do Sem-Fim conferem certo tom solene aos dois versos da primeira estrofe. O mesmo clima reaparece na última estrofe que, graficamente, também é aparentada à primeira, como já se viu.

A segunda estrofe, o quarteto ou conjunto de quatro versos que ocupa o centro do poema, apresenta uma série de elementos naturais numa gradação semelhante à aproximação de uma câmera de cinema. O espaço vai ficando cada vez mais próximo e mais reduzido: planeta —- jardim — canteiro — violeta. A gradativa diminuição do espaço, na estrofe do meio, contrasta com o infinito sugerido nas outras duas estrofes. No sexto verso, aparece um elemento indicador do tempo: o dia inteiro, isto é, permanentemente, sem cessar. O infinito espacial coincide com o infinito temporal, já que tanto o tempo como o espaço são "sem-fim".

Na terceira estrofe reaparece o infinito, espaço imaginário "entre o planeta e o Sem-Fim" onde se equilibra "a asa de uma borboleta". A asa da borboleta do verso final sugere múltipla significação: fragilidade, colorido, beleza, fertilidade (o pólen das flores transportado pelas borboletas), transformação (a passagem de lagarta à borboleta). Como a borboleta se equilibra entre o planeta e o Sem-Fim, é ela o elemento que liga o espaço graduado (planeta — jardim — canteiro — violeta) ao espaço infinito (sem-fim). Ou seja: harmoniza o conjunto pela beleza, fragilidade, colorido e possibilidade de transformação que une as partes do conjunto.

 

Conclusão (interpretação final)

No seu todo, a "Canção mínima" propõe um universo em equilíbrio onde o espaço conhecido do homem (estrofe do meio) está cercado pelo mistério do infinito (primeira e última estrofes). Como anuncia o título, o poema é mínimo: apenas oito versos ou linhas. Embora mínima, a canção consegue propor uma visão de mundo: o ser humano vive em meio a um universo cujos mistérios ele não domina, mas cuja beleza e harmonia ele consegue perceber.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cláudio Carvalho Fernandes e Norma Goldstein
Enviado por Cláudio Carvalho Fernandes em 25/12/2022
Código do texto: T7679361
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