NÓS, OS SEMPRE DELATORES

Lucinha, poetamiga!

A seguir vai o excerto do material poético que me foi remetido no corpo da mensagem abaixo. Tornou-se um belíssimo poema...

O anteriormente lavrado (no meu entendimento) é mera introdução, caminho para chegar à linguagem poética. É o que sempre ocorre com o discurso poético: o autor chega ou não à POESIA, à linguagem em poesia.

O poema – que é a materialização da Poesia – ficou com quase todas as características denunciadoras da poética da contemporaneidade: sugestionalidade; “corpus” ou “tônus” poético como peça autônoma; alguma transcendência; cadencimento rítmico, com o uso de alguma rimação sem se comprometer com a velha escola (e vir a fazer concessões à forma em detrimento do conteúdo); rala metaforização direta no texto.

A autora, sempre trabalhando com a magnífica e conhecida peça de Fernando Pessoa (com mais de oitenta anos de existência), a qual pretende glosar, desabrocha em novo poema.

É um portentoso desafio conseguir um bom poema em cima de obras consagradas.

O que se consegue ou não é a exegese do que o autor (Pessoa, no caso) pretendeu com forma e conteúdo expendidos no texto original.

Pode a nova abordagem pretender a reafirmação, o aplauso ao sentido, a concordância ou a antítese. Ou até a incontida louvação frente ao alumbramento que o poema original remete na cuca do leitor transformado em comentarista, via linguagem poética. Enfim, aquilo que não permite calar.

A boa peça poética sempre funciona como instigação na cabeça do leitor. Funcionam aí os dois sentidos da palavra inserida no verso: o denotativo e o conotativo.

No texto de tua autoria, tolera-se até as reiteradas anáforas (repetição total ou parcial do verso) quase pleonásticas, de forma e entendimento do signo, das palavras e sua intelecção designativa.

A consoante "efe" (linguodental ou bilabial?) funciona como aliteração, dando o cadenciamento rítmico do poema. Esta consoante lhe dá a espinha dorsal rítmica.

Parabéns pelo sucesso da experimentação. Nem sempre o interpretador consegue lograr êxito numa empreitada como esta.

Aqui vai o poema-sugestão, após feitas emendas supressivas e modificativas, fruto de cirurgias necessárias.

“ FINGIMENTO

Lúcia Barcelos

O poeta forjou candelabros,

desafiando sombras.

Fingiu-se ausente,

quando tristeza e solidão

bateram-lhe à porta.

Fingiu exatidão,

enquanto transbordava fantasia.

Fingiu exultar de amor,

quando era dor o que sentia.

E, por ser um fingidor

do caos,

ele simulou a poesia.”.

(Palmas!)

Espero gostes.

Com o apreço e a admiração de sempre, o poetinha JM.

Estudo analítico:

FINGIMENTO

O poeta forjou candelabros,

desafiando as sombras. / cacofonia= assombras. O artigo, no plural, é quase proibitivo, em poesia, pelo som caco que produz.

Fingiu-se ausente,

quando tristeza e solidão / o "q" deve ser em minúscula, pois faz parte da sentença anterior.

Bateram-lhe à porta.

Fingiu exatidão,

enquanto transbordava fantasia. / novo cochilo de maiúscula no início de verso que, gramaticalmente, faz parte de sentença anterior.

Fingiu exultar de amor,

quando era dor o que sentia. / sugiro que termine aqui o verso, para ressaltar o final, que contém alguma transcendência.

E, por ser um "fingidor" / sugiro a retirada da vírgula e das 'aspas'

do caos, / separei em novo verso, para ressaltar a transcendência final. OK?

ele simulou a poesia.

Lúcia Barcelos

----- Original Message -----

From: Lúcia Barcelos

To: joaquimmoncks@brturbo.com.br

Sent: Tuesday, September 04, 2007 10:24 AM

Subject: "O poeta é um fingidor"...

Fingimento

Lúcia Barcelos

O poeta fingiu sorrir,

Enquanto chorava palavras.

Fingiu-se em brisa,

Enquanto um tufão

Lhe varria os sonhos.

Fingiu luz,

Mas não havia única estrela.

O poeta fingiu discernimento,

Perdido em equívocos.

Fingiu sobriedade,

Embriagado de assombros.

Fez brotar paisagens

Num amontoado de escombros.

O poeta ergueu um palácio

Em meio às ruínas.

Fingiu deliciar-se em licores,

Tragando cicuta.

Fingiu vitória,

Sucumbido às lutas.

(Aqui está o aparente poema, o excerto acima referido, o que há de poesia no texto apresentado)

O poeta forjou candelabros,

Desafiando as sombras.

Fingiu-se ausente,

Quando tristeza e solidão

Bateram-lhe à porta.

Fingiu exatidão,

Enquanto transbordava fantasia.

Fingiu exultar de amor,

Quando era dor o que sentia,

E, por ser um "fingidor",

Do caos, ele simulou a poesia.

- Do livro, em preparo, CRÍTICA NO RECANTO DAS LETRAS, 2006 /2007.

http://www.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=638328