A DOR DO EGO EM POESIA
“AUTOPSICOGRAFIA
Fernando Pessoa
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.”
Parece-me necessário reler com muita atenção o poema acima. Cuidado que a peça tem alguns elementos verbais que conduzem a uma posição antitética, como sói acontecer na obra pessoana. Em verdade, segundo o que percebo, ele reitera o "sofrimento", que é a "dor que (ele) deveras sente"... Usa-se muito e escancaradamente o "fingimento" como ínsito à figura do poeta sugerido por FP, todavia, o que me parece – numa leitura mais profundamente crítica – é que este "sentir a dor deverasmente", refere-se ao plano da realidade, e não como fruto do alter ego criador que produziu o texto, vale dizer, a dor imanente à natureza do poeta Fernando Pessoa, ele-mesmo. Enfim, para poder reconstruir a vida e continuar à busca da felicidade através da Poesia – o poeta constata e aprofunda a sua própria dor – pelo “fingimento” proposto pelo recurso da arte poética, a fim de lograr suportá-la. Creio que, por esta linha, temos indícios para um interessante aporte analítico.
– Do Livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.
http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/4555883