DISPUTAR OS HOLOFOTES DA MÍDIA?

Tenho a visão do discurso poético como de raiz intuitiva, personalíssima, e concebo Dona Poesia como um bem imaterial e imagético que conduz à felicidade do autor. Aqui há algo de auto-constatação: o veterano escriba, em regra, não pretende fazer carreira, já a tem em curso e não disputa holofotes. A pretensa fruição lhe basta, como proponente, vertente do esteticismo (de raiz grega): o fruir faz bem ao espírito e recompõe a hostilidade que motivou o poema – opera-se a transfiguração da matéria da vida. Porque não há nada mais desprovido de utilidade prática do que a Poesia, mas, sem ela – para os sensíveis – não há como viver, desde que tenhamos emocionalidade para fruí-la. Esse é o "registro do prazer". No entanto, isto não significa que o poema, mesmo que esteticamente muito bom, chegue a ser eleito à posteridade. Muitas dessas peças poéticas são descobertas séculos mais tarde. Só o olhar retroativo do pesquisador fixará definitivamente o texto na memória popular, para a paradoxal imortalidade estética. O exame historiográfico mostra-nos que o verdadeiro poeta é uma pessoa tímida, quase sempre avessa ao cortejo midiático, em sua contemporaneidade. Aqui no sul do Brasil, Mario Quintana é um bom exemplo do que afirmo, apesar de sua notoriedade sedimentada ainda em vida, graças à sua participação no Correio do Povo, jornal importante na vida diária do povo gaúcho. O que lhe construiu – enquanto vate – foi a intensidade de sua aparição pública, acrescida da alta qualidade de sua palavra poética. Portanto, de nada adianta a ansiedade de se ver reconhecido em vida. O importante mesmo é o conjunto da obra, que está se construindo no dia a dia. Agora, com as redes sociais, o universo ofertado aos talentos é seguramente muito maior do que nos tempos de Mario no mapa de Porto Alegre. O importante, enfim, é formar leitores para a obra autoral. E diligenciar sobre a imagem do poeta vivo...

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

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