A HOSTILIDADE DO REAL
Chega o poema com sua pretensa carga emocional e lúdica. E eu o percebo com um forte sentencial em relação ao viver. Passemos a fruí-lo:
“CIRANDA
Ligia Lacerda
E deixamos escapar
por entre os dedos,
como areia,
tantos sonhos.
Tolos,
na ciranda feliz da juventude,
pensamos ser eternos.
Mas o tempo não espera, não perdoa,
a tudo leva de roldão.
Tudo se perde,
se transforma,
na ciranda cruel da realidade.
Publicado no Recanto das Letras em 04/06/2010.
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2299316
Código do texto: T2299316”.
Eis um exemplar da Poética da modernidade em que a construção metafórica é rarefeita, e em que o discurso é ácido sobre o sentido da vida. É uma abordagem cujo conteúdo poderia ter um final feliz, acaso alguma réstia de esperança pudesse imantar o condão mágico da criadora, no ímpeto do embate com a dura realidade. Afinal, a Poesia tem ou não o condão de vencer a hostilidade do real? Porém, a perceptível amargura do verso final crucifica toda possibilidade de arrimo lírico para o leitor. A autora acachapa sobre o seu receptor-decifrador a dureza enigmática da maturidade pessoal que começa a brigar com o Inevitável... Nem o princípio de Antoine Lavoisier (séc. XVIII) aqui foi levado em conta, apesar da ilação que a estrofe final sugere. Disse ele, como princípio, na chamada “Lei de Conservação das Massas”, no campo da Física: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Estaria a autora esquecida de que precisamos estar preparados para a transposição para a outra margem? E de que a Palavra auxilia o irmão nesse difícil preparo para o momento de passagem? Absorta no realismo, não há lugar para o sonho? E que sempre sobre algum espaço para a fantasia entre o início e o fim dos versos. Porque o esconderijo da Poética é o covil humano da pretensão de ser feliz, com todo o fingimento que se fizer necessário...
– Do livro AVE FUGIDIA – Poesia & Diversidade, 2010/12.
http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/3602035