FORMAÇÃO PROFISSIONAL (NA ANESTESIA) EM SIMULADOR

FORMAÇÃO PROFISSIONAL (NA ANESTESIA) EM SIMULADOR

Revalorização da simulação dinâmica biomédica em ecrã de computador (screen-based simulators, microsimulators, flatsimulators) na formação em anestesiologia.

Designam-se por simuladores dinâmicos em ecrã de computador aqueles que apresentam na tela do computador uma situação/problema simulada (ou várias) – designadas muitas vezes por cenários – que evolui por si própria mas também em função das acções de quem actua sobre o programa.

Como seria imaginável e é sabido, nesses simuladores - contemporâneos e "conterrâneos" dos simuladores com manequim interactivo – “nasceram” ambos os tipos na anestesia no penúltimo lustro do séc. XX - as acções clínicas não são executadas mas transmitidas via rato e ou teclado, sendo praticamente impossível treinar, nesses dispositivos, gestos clínicos ou analisar o fundamental da problemática das relações interpessoais ou dinâmica de grupos. Em boa parte por essas razões mas também por outras, os simuladores screen-based não mereceram até ao início do nosso século, a mesma atenção que os simuladores com manequim interactivo (e continuam a ser considerados um seu parente pobre).

Todavia este tipo de simulações sofreu na passagem do século uma revalorização devido fundamentalmente aos trabalhos de investigação que a seguir se identificam com as suas principais conclusões que servem aliás de título aos trabalhos nos dois primeiros casos

- De Schwid e colaboradores, ligados à produção de programas de simulação em ecrã de computador:

Schwid HA, Rooke GA, Ross BK, Sivarajan M, Crit. Care Med. 1999, Apr; 27(4): 821-823 - “O uso de uma simulação dinâmica em ecrã de computador melhora mais a retenção das guidelines de suporte avançado de vida do que um livro de texto”

Howard A. Schwid, G. Alec Rooke, Piotr Michalowski, Brian K. Ross,Teaching and Learning in Medicine, Vol. 13, issue 2, April 2001, pages 92-96 – “Uma simulação de anestesia em ecrã de computador, com debriefing, melhora a performance em manequim interactivo”

Esta breve referência já mostra que estes dois trabalhos apoiavam sobretudo uma complementaridade entre os dois tipos de simuladores.

Por outro lado a Nato e o estado belga (entre outras instituições) financiaram um estudo de Nyssen e colaboradores - “A comparison of the training value of two types of anesthesia simulators: computer screen-based and mannequin-based simulators” Anne-Sophie Nyssen PhD, Robert Larbuisson MD, Marc Janssens MD, Philippe Pendeville MD, and Alain Mayne MD Anesthesia and Analgesia, 2002, 94, 1560-65. Permitiu esse estudo pioneiro (e tanto quanto é possível saber não repetido) mostrar que não se encontravam vantagens significativas dos simuladores com manequim interactivo, muitíssimo mais caros, no treino da resposta dos anestesistas a incidentes críticos susceptíveis de ocorrer no desempenho das suas tarefas, como se deduz das frases que se seguem, extraídas (e traduzidas) do trabalho referido:

- … as aprendizagens na gestão de simulações de situações de crise, … , não variaram significativamente entre o FS e o simulador screen-based.

- … este estudo apoia o uso de simuladores screen-based no alcançar de perícia técnica no tratamento simulado de situações de crise.

- … a decisão de usar o simulador FS [full scale] ou o screen-based deve ser tomada mais com base no custo e objectivos de aprendizagem do que em critérios técnicos ou de fidelidade.

Embora cruciais na revalorização dos simuladores screen-based, os trabalhos referidos deixam de fora muitas das potencialidades desse tipo de simuladores, de baixo custo e manutenção gratuita ou quase.

Mesmo antes mas também durante e depois desta revalorização, os dispositivos de simulação, em especial os que podem ser classificados de screen-based, diversificaram-se incluindo simulações de partes da tarefa como a sedação ou o equilíbrio hemodinâmico entre muitos outros (funcionamento de ventiladores de 3ª geração, farmacodinâmica, …) ou de domínios específicos como as emergências obstétricas, pediátricas, suporte avançado de vida, critical care, etc. “O que está disponível no campo da simulação médica” é normalmente actualizado em diversas páginas da net nomeadamente nos sites das Universidades de Bristol e da Pensilvânia e no que se refere à anestesia e afins o trabalho de revisão - “Simulators for use in anaesthesia”, D.Cumin and A.F.Merry,Anaesthesia, 2007, 62, pages 151-162 - permite uma razoável orientação no seio dessa diversidade de simuladores: fornece, para cada modelo, o endereço electrónico dos produtores, o tipo de aprendizagens que possibilita e uma ordem de grandeza do preço, partindo do princípio de que quem pretender lidar com a simulação depara com “a intimidante tarefa de compreender as diferenças entre simuladores”; um formador, porém, depara também com o gratificante reconhecimento de que existem modelos que lhe permitirão orientar os formandos na óptica mais construtivista ou cognitivista ou ecléctica que for a sua. O que essas opções implicam em termos de escolha de simuladores e construção de situações de simulação – que não deve resumir-se à apresentação de simulação de situações (ou cenários) – requereria uma muito mais longa exposição. Acentue-se todavia que as aprendizagens inúteis do ponto de vista médico, necessárias para as conduções simuladas e mais salientes nos simuladores screen-based, diferem de uns simuladores para outros, tal como as variáveis e funcionalidades didácticas e que um formador terá de ter portanto em conta nessas escolhas e na construção e acompanhamento de situações de simulação, critérios respeitantes à ergonomia e à didáctica da formação ou profissional, para não falar do recurso a conhecimentos de informática suficientes para manusear os computadores, sobretudo quando se pretende criar casos novos e o simulador o permite. Uma exposição das acções e precauções a tomar antes durante e depois de uma situação de simulação, do ponto de vista da ergonomia e da didáctica, é apresentada com uma certa abrangência e alguma profundidade na tese de doutoramento denominada "Ergonomia e Didáctica Profissional na Simulação Dinâmica da Anestesia", apresentada e defendida na FPCEUP em 2008 por João Huet Viana Jorge.

Aceitar o papel complementar dos simuladores screen-based, como se referiu antes, na preparação de formandos para o treino em simulador de alta-fidelidade torna fácil de admitir ([sem que tal tenha sido testado) que outras complementaridades sejam possíveis, por exemplo, serem usados pelos formadores:

-como auxiliar no estudo prévio ou na concepção ou na selecção de cenários com simuladores da alta-fidelidade

-como auxiliar na preparação do debriefing, parte das sessões de simulação unanimemente considerada como o grande momento da aprendizagem e requerendo, ela própria (a parte do debriefing), reflexão e treino do debriefer.

-como auxiliar no estabelecimento dos seus próprios critérios de classificação e avaliação (disponha ou não o simulador de critérios próprios)

- como instrumento de ensino à distância mais flexível do que a transmissão de sessões com manequim interactivo

Não pode esquecer-se, entretanto, que estas complementaridades podem funcionar sem os constrangimentos de local, hora e custos de manutenção das instalações com simuladores de alta-fidelidade.

As complementaridades também não podem fazer esquecer a especificidade dos simuladores screen-based que se sumariam a seguir:

Alguns simuladores screen-based dispõem de diversas funcionalidades facilitadoras das aprendizagens (nem todas coexistentes no mesmo simulador) como a orientação da condução simulada ou mesmo um apoio passo a passo, um sistema autónomo de debriefing, uma classificação da condução, uma avaliação independente, a possibilidade de encurtar a passagem do tempo durante o tempo em que a decisão é de nada fazer, [permitindo assim a exploração de mais casos (ou partes deles) num curto período], a introdução selectiva de incidentes críticos em situações correntes, a possibilidade de criar casos novos …

Treinar ou memorizar algoritmos de resposta a situações correntes ou críticas ou raras implica repetições e as repetições têm sérios limites nos simuladores de alta-fidelidade (com manequim interactivo); nos screen-based tais limitações não existem

Não sendo livremente acessíveis os simuladores de alta-fidelidade não podem ser usados como elemento de estudo ou auto-formação mesmo em situações de isolamento do aprendiz; as simulações screen-based constituem um modo de estudo integrado (não se estuda por capítulos como nos livros) adaptável ao ritmo do utilizador e à sua disponibilidade conservando boa parte da vantagem, das simulações full-scale ou alta-fidelidade, a de melhor se memorizar e compreender o que se faz (mesmo simulando) do que o que se ouve ou lê.

É de crer que a condução simultânea, por vários utilizadores, impossível nos simuladores com manequim, de um mesmo caso clínico simulado, seja uma boa base de discussão, para internos e especialistas, desse mesmo caso clínico, contribuindo, p. ex., para a uniformização de procedimentos que e se se julgar útil (o estabelecimento de guidelines ou protocolos).

A conservação dos registos da condução simulada em simulador screen-based (e que não se fará nos full-scale por razões deontológicas) permite ao condutor reflectir mais longamente sobre a mesma e discuti-la documentadamente com quem entenda, sendo por isso mais favorável à aquisição de meta conhecimentos (ou de conhecimento sobre os próprios conhecimentos).

Sem comparar custos de instalação e manutenção, o preço de um simulador screen-based pode ser inferior a uma milésima do de um simulador com manequim e será acessível aos serviços de mais modesto orçamento ou até a um profissional individualmente considerado.

Os simuladores screen-based permitem em geral o registo das acções do condutor, o que possibilita que um formador proceda a avaliações diagnósticas, formativas ou sumativas de um número indeterminado de formandos, em simultâneo e sob anonimato. Sobre este aspecto valerá a pena ler “Preliminary validation of a screen-based simulator for evaluating resident performance during critical incidents”, Thomas A. Ludwig, MD, Howard A. Schwid, MD, Anesthesiology, 2004, 101:A1337.

A parca utilização que pelo mundo fora tem sido feita deste tipo (screen-based) de simuladores, na anestesia mas não só, está longe de aproveitar todas as potencialidades que acabam de ser enunciadas.