RECEITA PARA O POEMA?

Pedem-me ajuda para chegar à Poesia... Pois bem, anotem algumas dicas que o tempo tatuou em mim: ser usurário no uso de vocábulos, isto é, utilizá-los num mínimo possível para o assunto ou temática que se quer expressar; utilizar verbos que tenham fluidez e som agradável; fugir dos verbos no modo gerúndio; utilizar somente um adjetivo qualificativo para cada substantivo; colocar o adjetivo antes do substantivo; evitar o excessivo uso da conjunção integrante ou do pronome relativo "que"; evitar os versos regidos pelo comparativo "como"; ter cuidado ao usar os artigos definidos antes das consoantes duras (pê, tê, dê) a fim de evitar cacofonias e cacófatos; ter muito cuidado ao usar o artigo indefinido – sempre preferir os artigos definidos; usar o menor número de versos possíveis para um bom entendimento; compor versos curtos, breves; cuidar do andamento rítmico do poema, para isto se deve evitar muitas palavras com três ou mais sílabas lado a lado ou muito próximas; utilizar criteriosamente as figuras de linguagem, especialmente as metáforas; intitular o poema com vocábulos curtos e conhecidos do grande público; levar em conta que o título faz parte do poema e ele deve conduzir o leitor ao clima e assunto desejados. Portanto, a identificação do poema tem de ser uma expressão que tenha correlação com o texto. E, por último: procurar lembrar de que não é o autor que escreve o poema, e, sim, “o outro”, o alter ego do criador da peça poética (cada autor tem, dentro de si, o seu heterônimo, mesmo que nem o saiba ou não o identifique como tal), desta sorte, evitar o uso do pronome pessoal “EU” e o possessivo “MEU”, a fim de tentar impessoalizar o verso ao máximo, minimizando a presença de seu autor como personagem. Em tudo e por tudo, o poema visa uma reflexão sobre o conteúdo do texto, por parte do receptor. Sem esta sensação – no leitor – de que se sai à busca de algo, ao encontro de alguma coisa dentro de nossa cabeça, não se revelou a Poesia. Inocorreu o mistério da sugestão sobre algo imaterial, impalpável... É esse pensar específico que faz o leitor de poemas também uma figura especial. É dessa forma que se reconstroi o mundo circundante e se viaja sem sair do lugar. Especialmente para os pobres, esta é a única maneira de viajar sem dinheiro...

– Do livro A POESIA SEM SEGREDOS, 2012.

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