Abandonando Nossas Histórias - texto de Paul Ferrini

   Nossas histórias do passado reforçam nossos medos e justificam
nossos rituais de autoproteção. Sempre que nos conectamos com aquilo
que queremos, também nos conectamos com todas as razões do por que não
podemos obtê-lo. “Eu quero deixar meu trabalho, mas não posso... Eu
quero comprometer-me com este relacionamento, mas não posso.” E assim,
sempre, infinitamente. Queremos trazer nova energia às nossas vidas e,
ao mesmo tempo, manter os nossos hábitos antigos. Queremos mudar, mas
temos medo.
   De algum modo, preferimos nossa dor tal como ela é, porque é
conhecida por nós.  Pensamos que se fizermos uma mudança nas nossas
vidas, as coisas poderiam piorar.  A dor poderia ser maior. Preferimos
uma dor conhecida a uma que desconhecemos, um sofrimento familiar a um
não familiar.
   Nossos egos estão profundamente comprometidos com o status quo das
nossas vidas por ser algo previsível. Eis porque os planos heróicos do
adulto espiritual para a transformação de nossas vidas, são
inevitavelmente sabotados pelos medos da criança ferida, que não
imagina que ela possa ser amada, portanto não pode ter uma visão da
vida sem dor.  Para a criança interior ferida, qualquer promessa de
libertação da dor é um truque que nos induz a baixar as nossas
defesas, tornando-nos vulneráveis ao ataque.
   Assim, nossos medos nos mantêm fechados para a possibilidade de
uma mudança significativa em nossas vidas. O que dizemos que queremos
não é realmente o que queremos. O adulto espiritual e a criança ferida
são estranhos um para o outro e, quando isso acontece, a criança
ferida sempre ganha. Infelizmente, isso não leva à felicidade nem da
criança, nem do adulto. Leva tão somente ao prolongamento dos nossas
já conhecidas dores e sofrimentos internos.
   Então, nesse ambiente ambíguo da psique em guerra consigo mesma,
entram em cena uma variedade de profissionais que se propõem a
consertá-la:  psiquiatras, conselheiros, pregadores, gurus de
autoajuda.  Cada um reivindica ter a resposta, mas cada solução
oferecida e recebida, apenas enquadra o problema. Quando pensamos que
há algo errado conosco, reforçamos nosso desmerecimento. Quando
tentamos nos consertar, reforçamos nossa crença de que algo em nós
está quebrado.
   Os profissionais empenhados a nos consertar acreditam em nossas
histórias de rompimento e tentam nos curar. Eles reforçam nossas
histórias.  Se nossa história não é suficientemente atraente, eles nos
ajudam a torná-la mais densa. Tudo gira em torno de um grande drama de
pecado e salvação. Nunca lhes ocorre, nem a nós, que talvez nada
esteja quebrado, que talvez não haja nada em nós que precise ser
consertado.  Nunca se dão conta, nem nós, de que o único aspecto
disfuncional em nossa situação é a nossa crença de que algo está
quebrado, nossa crença de que nunca conseguiremos o que queremos.
   Os problemas externos que observamos nas nossas vidas são
projeções dos conflitos internos: “Eu quero, mas não posso ter.” Se
nos permitíssemos ter o que queremos, ou se parássemos de desejá-lo
por sabermos que não podemos tê-lo, esse conflito cessaria. Ter o que
queremos, ou aceitar que não o podemos ter, põe fim ao nosso conflito.
No processo, isso acaba com a nossa história.
   Se tivermos o que queremos ou se houvermos obtido nossa paz em
relação a não o termos, não teríamos mais história.  Não haveria drama
a procurar. Para manter em curso o drama da busca, você não pode
encontrar o que está buscando.  Encontrar amor, felicidade, alegria,
etc., acaba com a história. “E eles viveram felizes para sempre...”
Fim da história. Drama encerrado.  Agora, o que segue?
   A verdade é que não estamos prontos para abrir mão de nossos
dramas. Nossa história tem-se tornado parte de nossa identidade. Nossa
dor faz parte da nossa personalidade. Sem a dor, não sabemos quem
somos. Abandonar nosso drama significa deixar o passado dissolver-se
aqui e agora.
   Se podemos fazer isso, já não importará o que aconteceu no
passado. O Passado não tem poder. Não existe mais. Estamos escrevendo
em uma lousa em branco.
   Isto significa que agora somos totalmente responsáveis pelo que
escolhemos. Não há mais desculpas. Não podemos culpar o passado ou o
nosso carma pelo que acontece, porque não há mais passado, não há mais
carma.
   Quando deixamos de interpretar nossas vidas baseados no que
aconteceu ontem ou no ano passado, o que acontece é neutro. É o que é.
Não há sobrecarga.
   A liberdade de se estar completamente presente e responsável neste
momento é amedrontadora. Muito poucas pessoas desejam isso. A maioria
das pessoas quer usar  seu passado como um laço em volta do seu
pescoço. Elas insistem em carregar suas cruzes e usar suas coroas de
espinhos. Desse modo, se forem crucificadas, poderão dizer “Eu lhe
falei que isto iria acontecer.” Outra profecia de autorrealização!
(Another sel-fulfilling profphecy)
   Nós permanecemos no drama porque o amamos. Ficamos arrastando
nosso carma conosco porque estamos apegados a ele.  Então, temos que
curar todas as feridas imaginárias que pensamos ter.  Não importa que
estas feridas não sejam reais. Elas são reais o bastante para nós.
   Assim, o drama continua. Procure, mas não encontre. Quero, mas não
posso ter. Quero ser livre, mas quero também minha segurança.
   Você não pode dizer a uma pessoa que está na prisão, recebendo
três refeições por dia, que a liberdade é a sua própria segurança.
Ela quer aquelas três refeições ao dia, não importa o que aconteça.
Aí sim ela poderá falar sobre liberdade.
   Quando você está apegado ao que já tem, como pode trazer qualquer
coisa nova para si? Para trazer algo novo, fresco, imprevisível,
precisa entregar algo velho, estagnado e habitual.
   Se quiser que o criativo se manifeste dentro de você, deve
entregar tudo o que não é criativo.  Então, no espaço criado por
aquela entrega, a criatividade entrará correndo.  Se a xícara está
cheia de chá velho e frio, você não pode despejar chá novo e quente
nela. Primeiramente tem que esvaziar a xícara e, então, poderá enchê-
la novamente.
   Se você quiser abandonar seu drama, primeiro descubra qual é o seu
investimento nele. Qual é o seu ganho por não encontrar, não se curar,
não viver feliz para sempre?
   E, então, seja honesto. Se não quiser abandonar a sua dor, fale a
verdade. Diga: “Eu ainda não estou pronto para abandonar a minha dor”.
Não diga: “Eu gostaria de acabar com a minha dor, mas não posso”. Isto
é tudo.  Você poderia acabar com isso, mas escolhe não fazê-lo.
Talvez você aprecie a atenção que recebe sendo uma vítima.
   A maioria das pessoas que reivindica estar no caminho espiritual,
está apenas andando em círculos. Sempre estão dizendo: “Sim, mas...”.
Sempre estão apresentando desculpas. Para a pessoa que aprendeu a
aceitar sua responsabilidade, não existem desculpas. Ela sabe que tudo
lhe pertence. Isso não tem nada a ver com mais ninguém.
   Quando não está pronta, diz: “Eu não estou pronta”. Quando está,
não tem que fazer quaisquer promessas, pois as ações fluem da
disponibilidade, e ações sempre falam mais alto do que palavras.


Lídia Carmeli
Enviado por Lídia Carmeli em 22/06/2011
Código do texto: T3050059
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