VOCÁBULOS ESTRANHOS, SEM NEXO OU EM DESUSO

Num texto poético ou em qualquer outro editado com o objetivo de capitalizar leitura de receptor comum, excetuada a linguagem técnica, é sempre aconselhável que não sejam utilizados vocábulos que, para serem entendidos, necessitem do uso de dicionário.

Particularmente em Poesia, práticas neste sentido foram muito utilizadas ao tempo dos românticos e parnasianos (meados do séc. XIX e início do séc. XX), em que alguns de seus militantes estéticos entendiam que a poesia necessitava do uso de palavras incomuns e de muito efeito, só pra chamar a atenção...

Usualmente, era dos domínios dos jovens universitários que, diletante e prazerosamente, se dedicavam à Poesia, como era do costume da época, e representavam uma “finesse” dos filhos de famílias abastadas e que, desde o ensino fundamental, assistiam aos costumeiros saraus nos clubes e nas casas de bom gosto... Também era uma costumeira forma de crítica à sociedade em que estavam inseridos, em especial no terreno da política local e/ou regional e ao ambiente escolar acadêmico em sátiras dirigidas a alguns mestres que eram tidos e havidos como empolados... Aliás, como os jovens de todos os tempos, os quais têm como objetivo a mudança total do mundo em que convivem...

Bernardo Guimarães (1825-1884), mineiro, estudante rebelde em SP, que se formou em Direito e foi professor de retórica e poética no Liceu Mineiro, chegou a escrever um soneto que adquiriu a alcunha de "BESTIALÓGICO", do qual nada se entendia, no entanto, era um belo e perfeito exercício de RITMO POÉTICO, na aura poética de então:

“EU VI DOS PÓLOS O GIGANTE ALADO

Bernardo Guimarães

Eu vi dos pólos o gigante alado,

Sobre um montão de pálidos coriscos,

Sem fazer caso dos bulcões ariscos,

Devorando em silêncio a mão do fado!

Quatro fatias de tufão gelado

Figuravam da mesa entre os petiscos;

E, envolto em manto de fatais rabiscos,

Campeava um sofisma ensangüentado!

– "Quem és, que assim me cercas de episódios?"

Lhe perguntei, com voz de silogismo,

Brandindo um facho de trovões seródios.

– "Eu sou" – me disse, – "aquele anacronismo,

Que a vil coorte de sulfúreos ódios

Nas trevas sepultei de um solecismo..."

Portanto, o “uso de palavras difíceis, estranhas ao dia-a-dia” era uma prática comum lá por 1850/1915. É fácil perceber que, apesar de bem feito, correto na sua composição e métrica perfeitas, o conteúdo não tem nenhum sentido...

Não é aconselhável utilizar vocábulos estranhos ou não usuais em textos poéticos, na crédula intenção de que o leitor vai ter de buscar a palavra no dicionário e, com este proceder, vir a intelectualizar-se. Anotem essa cautela em sua agenda de cuidados, ao elaborar o poema. Autores que atuam tendo a compreensão de que a criação poética se completa com a “transpiração” sobre o primeiro momento intuitivo, por certo se apercebem claramente o que está sendo abordado.

O leitor comum quer é entender o que está usufruindo intelectualmente e, pela proposta, vir a se lambuzar de emoções, fruindo o esteticamente o Belo segundo a sua sensibilidade. Acaso não entenda e/ou compreenda o que está escrito na peça poética logo no início, foi-se a proposta que a Poesia pretendia liberar aos sentidos do receptor...

Hoje temos quase duzentos milhões de pessoas para tentar – na qualidade de escritores – a cooptação para o ato de ler, mesmo se sabendo que a média de leitura brasileira é de 3,8 livros/habitante/ano, que é uma das menores do mundo. Acresça-se o registro de que, no Brasil, é alto o patamar de analfabetismo, curiosamente um dos maiores no contexto das nações em desenvolvimento.

Podemos utilizar vocábulos diferenciados e pouco conhecidos ou envelhecidos (pela sua não utilização) para propor ações, denominar personagens ou coisas no contexto de uma novela, romance ou conto, porém não é aconselhável que se tenha este proceder em Poesia, principalmente nas palavras que dão título ao poema...

No mínimo, logo no início do poema, teremos o andamento rítmico quebrado, por termos que parar de ler pra procurar no dicionário o que a palavra quer dizer... Ainda mais nos moldes poéticos da modernidade, em que usualmente o título se entremeia no conteúdo do poema. E Poesia é, fundamentalmente, RITMO cursivo para que não se perca a TENSÃO POÉTICA...

– Do livro DICAS SOBRE POESIA, 2009/12.

http://recantodasletras.com.br/tutoriais/2749105