O MISTÉRIO DO OUTRO

A veraz Poesia amorosa, apesar de sua aparente bilateralidade, nunca se destina estritamente ao “eu e tu”. O texto poético (em prosa e verso) é PLURAL, universalista, e no caso do verso lírico-amoroso tem a perda do amado como algo “irrecuperável”. Isso claramente se pode sentir através de vários espécimes poéticos em Florbela Espanca, Cecília Meireles, Clarice Lispector e, mais contemporaneamente em Lia Luft, no seu monumental "O Lado Fatal", de 1989, réquiem à perda de seu companheiro. A possessão sobre o amado – o objeto amoroso – e que sempre perpassa no poema, normalmente exclui a arte poética como gênero, porque esta é essencialmente solidarista. Pretende a UNIVERSALIDADE, e nunca a pessoalidade... Traz em sua proposta de fundo – de conteúdo – o solidarismo ao mistério do outro. Por vezes, pede a compaixão do próprio leitor... É por isso que, ao ler um veraz "poema de amor", sentimo-nos no lugar do vivente, solidários ao seu fadário... E desse sentir (dessa dor lida, como falou F. Pessoa) nunca voltamos "inteiros", porque a perda é – como já se disse – irreparável. A dor do autor fere a do receptor... Até porque o “amor” que se resgata nunca mais é o mesmo, ainda que o indivíduo seja o próprio. A não ser que se queira fantasiar, o incidente que quebrou o cristal impede que se resgate a funcionalidade da peça em sua plenitude. De outro modo, amor não havia... Essa dor pungente é o estilete que o autor lega ao seu leitor...

– Do livro O NOVELO DOS DIAS, 2010.

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