NA CRÔNICA, O INSTANTÂNEO VISUAL

“05/07/2010 10:44 - Luciana Monteiro.

Caro irmão Joaquim, não sou assim tão talentosa, mas depois de muito lê-lo, agora nem sei se consegui escrever algo realmente bom, mas gostaria de solicitar o seu olhar de Mestre na poesia que postei hoje. Obrigada pelo carinho! Um abraço fraterno.“

“POR ONDE ESTIVE...

Luciana Monteiro

Estive onde o sol desperta toda manhã

Entre os troncos das árvores

Onde os pássaros gorjeiam

Onde o riacho corre

Acelerado e sinuoso

Com suas águas cristalinas

Em direção ao mar!

Estive onde as horas passam tranquilamente

Onde o homem corre diferente

Onde o barulho é o sorriso

Alardiante da felicidade

Onde as frutas que se come

São dos pés colhidos!

Estive onde a tranqüilidade

Faz morada e é anunciada

No sussurro do vento

Que acaricia a nossa face

Lembrando-nos quem somos!

Estive onde a noite esfria

Onde o lago silencioso

Abriga os peixes e deixa a nevoa

Cobri-lo em fraternal abraço

Onde as árvores secas do meio do lago

Servem de abrigo para os ninhos

Dos pássaros enamorados!

Estive onde viver é graça

Onde a cada despertar somos chamados

A orar, a agradecer e a louvar

Ao Pai de Amor por toda a beleza

Que há no lugar por onde estive!

Publicado no Recanto das Letras em 05/07/2010.

Código do texto: T2359204.”.

Amada Luciana, atendo ao teu pedido de análise, conforme acima está posto.

Parece-me que neste texto não há elementos de linguagem conotativa, tudo o que contém está em doce linguagem, mas não em sentido conotativo e, sim, no denotativo. Portanto, sem figuras de linguagem, não há como classificá-lo como POESIA (segundo os critérios técnicos consagrados e vigentes neste RL), porque não há metáforas polivalentes, profundas...

Como a PROSA POÉTICA exige também figuras de linguagem, especialmente a metáfora rasa, superficial, univalente, (no dizer de Massaud Moisés, da USP, em seu livro A CRIAÇÃO LITERÁRIA), o que temos aqui, por conteúdo e forma, caberia na classificação de CRÔNICA. “Crônica” vem do grego, é decorrência do vocábulo “chronos = tempo.

E a principal característica dessa espécie do gênero PROSA é a da instantaneidade ou imediatidade: o autor capta, num lampejo, o que está ocorrendo naquele momento, e tenta transmitir isto ao seu leitor, aduzindo ou não algum elemento de sua interpretação dos fatos.

Esta peça apresenta-se como uma croniqueta (por ser uma crônica de pequena extensão) beirando à prosa poética, na qual estão inseridos dados pessoalíssimos da observação do narrador, frutos do instantâneo visual e do estado de espírito predisposto à narração do que está sendo visto, observado.

Talvez por desconhecimento das técnicas peculiares á espécie, tudo está na primeira pessoa, no “eu”, subjetivamente, portanto.

Peço que confiras o verbo “alardear” e, no advérbio “tranqüilamente”, a perda do trema, segundo o recente acordo ortográfico. Também a acentuação em “nevoa” e “serve(m) de abrigo para os ninhos”, já que o sujeito são “árvores secas”, no verso anterior.

Portanto, toda a linguagem que pretenda ser texto artístico tem de conter uma linguagem diferente do lugar comum que, em vez de “dizer” o que vê, “sugere”, permitindo que o leitor recrie à sua moda. Isso ocorre tanto na POESIA como na PROSA POÉTICA.

Na poesia e na prosa poética, é a emoção do leitor que recria aquilo que ele está lendo, acatando a ‘sugestionalidade’ contida no texto. A emocionalidade predomina como proposta.

Na CRÔNICA, o receptor lê o texto e o entende quase que imediatamente. Nesta espécie do gênero PROSA, por parte do leitor prevalece a intelecção. Há que se ter muito cuidado com a interferência da pessoalidade do autor dentro do texto. Os verbos no “eu” e o possessivo “meu” são quase proscritos.

Em regra, o narrador descreve o mundo, porém pouco interfere nele. Cria o quadro pictórico, pleno de instantaneidade, para que o leitor faça o seu juízo emocional e crítico.

Na peça ora apresentada, o observador funciona como um fotógrafo, relatando o ambiente e tudo o que ele sugere. Até o encontro com a figura divina...

Procurei me ater à forma, na intenção de orientar a autora na diferenciação entre o poema e o exemplar em prosa poética, bem como a especificidade de apresentação da crônica e suas circunstancialidades.

Quanto ao conteúdo, o texto é bem interessante, contendo ótimos elementos prosaicos. É o relato típico do observador contemplativo, expectante, que, boquiaberto, procura fixar o que vê e como entende o momento que lhe faz bem, a ponto de entrar em gnose, agradecendo por estar vivo e poder fruir esse estado de coisas reais e espirituais.

– Do livro DICAS SOBRE POESIA, 2009/10.

http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/2366957