MISTÉRIOS DO OUTRO

Eis que recebo o poema, com o convite à análise. Vamos tentar chegar ao mistério que a Poesia encerra...

“FÊNIX POÉTICA

Vânia Moraes

Presa nos laços de um novo encanto,

desatando os nós do desalento da saudade

de um tempo que não volta,

tempo perdido no egoísmo,

tempo órfão da verdade.

Livre dos castigos de Vênus

e dos espinhos emocionais

que pungiam a carne,

esporeio o corcel da paixão

ao encontro da esperança renascida... brisa

que acaricia a alma em cândida ternura.

Venho em confissão sincera falar em silêncio

do imenso sentimento que direciono

ao abrigo vivo no teu peito.

Estendo os braços a tocar o homem que se faz menino

no prazer do carinho que faço.

Transmuto em beijos

palavras que seriam ouvidas,

transformando-as em silêncios benditos,

sentidos, molhados.

Sob a regência da inspiração,

sob a força da poesia,

sou Fênix poética

despida na ventania.

Publicado no Recanto das Letras em 15/07/2006.

Código do texto: T194901”.

Vânia, amada poeta!

Aqui está uma peça que se retrata, de pronto, como um bom exemplo do exercício (do fazer) poético. Um rico confessionário, embrião para o poema da contemporaneidade.

Brigo um pouco com o qualificativo 'poética', encimando a obra. 'Fênix' é sinonímia daquilo que é sempre renascido, do que ressurge das cinzas, mitologicamente. Não comporta qualificativo, porque a ela é imanente à abstração do efeito axiológico.

Se ela é elemento significante no gênero que se caracteriza pelo verso (e não pela prosa), implícita está a condição. O qualificativo, no caso, nada diz nada acresce, porque é pleonástico, rebarbativo. Invocar “Fênix” é falar no voejar espiritual.

É na segunda estrofe que a poesia alça vôo, diz a que veio. Na verdade, aqui nasce o poema, a linguagem diferenciada do lugar comum da vida. Metafórico corcel de fênix.

Parece pecar pela personalização, tudo na primeira pessoa, excludente do leitor, que fica sem janela para assimilar a proposta que o texto encerra. Perde o autor a possibilidade de que o leitor tome o texto para si, para a (sua) vida pessoal. E o divulgue.

A linguagem pessoalizada, intimista, sofreu desgaste, no decorrer dos tempos. Poemas nesta vertente personalíssima sofrem restrições por parte do exigente leitor da atualidade. Excluem-se, nos últimos cem anos, apenas alguns autores com rastros fortes de pessoalização que obtiveram e ainda obtém a admiração e o respeito do leitor atual.

O expoente parece ser o poeta português Fernando Pessoa, mas já vão lá mais de 70 anos de sua morte, e, nos anos 30 do século XX, ainda era moda a possessão profunda no texto poético. Porém, o mestre da poesia portuguesa trabalha com valores universais do Homem, em seus monólogos poéticos.

Alé do mais, os “eus” que Pessoa usa nos seus textos é a voz do EU POÉTICO, o alter ego do autor, e mais: a voz do EGO DO PERSONAGEM criado dentro do emaranhado poético que contextualiza o discurso poético.

O seu monumental “Tabacaria”, de 1928, é um dos maiores exemplos: um longo poema lavrado na primeira pessoa. Nele, o Homem critica a si mesmo e se debulha entre a Palavra e o Tempo.

Nesta peça ora em exame, é perceptível o 'bumerangue', isto é, tal qual o artefato, o qual sempre retorna ao autor, o “dono do discurso”...

E nela, ao se pretender Poesia, mesmo que “despida na ventania” (no último verso), permanece soando a confraternidade, o mistério do outro, ou é o confessionário da possessão da autora?

– Do livro DICAS SOBRE POESIA, 2006/10.

http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/2303622