A POSSESSÃO LÍRICO-AMOROSA

Edina, preciosa confreira! Grato por me receberes em tua intimidade de criação. Vamos ao poema:

“CANSAÇO

Edina Amorim

Queria poder ter-te agora ao meu lado...

Sem hora nem compromissos

Queria poder deitar minha cabeça

Cansada em seu colo e te contar coisas...

Estou tão sozinha e cansada...

Estou tão farta de chegar e não ter quem esperar...

Estou mesmo a precisar

De alguém que possa me amar.

Queria poder sentir suas mãos carinhosas

Se entrelaçando em meus cabelos

Num carinho tão puro que me levasse a fechar os olhos

E nesse enlevo poder descansar e até mesmo sonhar...

Sonhar que sei ter alguém com quem posso desabafar

Sonhar que não preciso mais me preocupar

Sonhar que tenho com quem contar

Sonhar que não estou sozinha em meu caminhar.

Publicado no Recanto das Letras em 11/04/2010.

Código do texto: T2191069”.

Procurei em tuas classificações de "Poesias", no Recanto das Letras, e, a bem da verdade, encontrei muitos "recados de amor", que não chegam a se constituir em POEMAS, já que esta é a materialidade com que se apresenta a Poesia, nos ritos da contemporaneidade formal.

O “recado de amor” não contém Poesia, e, sim, uma espécie de comunicação que se derrama em linguagem direta, intimista, possessiva e pessoalizada. Utiliza somente o “sentido denotativo” dos vocábulos e conjuntos verbais, enfim, o que é usual – o trivial – sem nenhum outro alcance que não aquilo que ele próprio comunica ou encerra, no entendimento comum do dia-a-dia.

O costumeiro “recado de amor” não apresenta linguagem codificada e nem utiliza o sentido conotativo, vale dizer: idéias e associações ligadas, pela experiência individual ou coletiva, a uma palavra.

A linguagem conotativa é muito mais ampla e subliminar. Possui profundidade dilatada pela utilização de figuras de linguagem, principalmente as METÁFORAS e METONÍMIAS, e se abre aos mais variados entendimentos. Cada leitor terá a sua peculiar compreensão, abrindo-se em vários prismas ou óticas, dependendo, é óbvio, do talento criativo do autor do poema e de seu leitor, polos de emissão e de recepção do discurso poético, respectivamente. Neste, há véus sobre a palavra, há que se retirá-los para que mostrem a cara...

O "recado de amor" é a linguagem típica da mulher de hoje, aquela que se debruça sobre o computador a contar seus anseios, desejos mais íntimos, mazelas, frustrações e esperanças.

A intuição feminina sabe que a net vai levar muito longe a sua condição humana traduzida em dulçuroso apelo, mesmo que não realidade, e, sim, idealizada sublimação dos desejos insatisfeitos, como queria Goethe, dizendo-os enfermidade de todas as épocas...

Como analista literário, procuro deixar impressões de fundo e de forma, na intenção de propor a necessária reflexão, a fim de que os autores persigam e venham a encontrar a Poesia, nos cânones formais da modernidade.

Nesta peça encontro algo diferente em termos de classificação: um recado amoroso escrito em versos e classificado como "Pensamentos". Dos muitos autores e a variada gama de textos publicados no Recanto das Letras, e que os tenho "revirados" em minhas leituras com olho crítico, não havia encontrado nenhum que tivesse optado por esta solução (classificação dentro dos critérios deste Recanto) para o texto que não tivesse linguagem estritamente poética, porém possuísse este "intimismo" característico da possessão lírico-amorosa, real ou idealizada.

E aqui está o caso tipicamente descrito: um “PENSAMENTO”, com todo o intimismo daquilo que é confidencial, personalíssimo, portanto. Imagino que, acaso quisesses classificar este texto como fora exemplar de poema, terias escolhido a classificação POESIAS > PENSAMENTOS, e não o fizeste. Ressalte-se que todo o texto está escrito em versos...

É o que a intelecção encontrou: ótima e inusitada solução. Talvez seja este o caminho para o registro deste tipo de comunicação literária lavrada em ‘quase-poesia’, que, em verdade, é o embrião poético nadando na placenta da eterna Poesia...

Parece-me uma saída, enquanto a administração do Recanto não cria a classificação “Recados de Amor”, como já sugeriu a confreira Lígia Antunes Leivas, professora de Literatura Portuguesa e Brasileira da Universidade Federal de Pelotas, jubilada, e hoje, emérita revisora de textos, ao pé de meu ensaio “CONFISSÃO AMOROSA NÃO É POEMA”, em http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/2212491

Parabéns! Nada como conviver com pessoas talentosas neste universo do mundo das Letras.

– Do livro DICAS SOBRE POESIA, 2009/10.

http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/2262659