AO CORAÇÃO DO IRMÃO EM POESIA

– para Margareth Soares, que figura, pela primeira vez, em obra coletiva de Poesia.

Fiquei feliz que tenhas te sentido bem no lançamento e autógrafos da Coletânea dos 45 anos da CAPORI.

Deves ter sentido que o pessoal da Casa do Poeta Rio-Grandense forma um grupo bem legal. O teu ingresso valoriza o mesmo, e abre possibilidades de que obtenhamos espaços literários em Capão da Canoa e no Litoral Norte do RS, onde atuas como ativista cultural. É só a gente continuar se vendo, falando, avaliando, e que tu venhas a perseverar na arte poética.

Como já deves ter visto, escrever poemas com Poesia não é tarefa fácil, e é ato de confraternidade... Nada de sobejos, de vaidades sem justificativa. Fazer bons poemas é bênção espiritual, mas, acima de tudo, é frutificação de muita leitura, de muita dedicação ao mundo dos significantes e significados.

A rigor, a mais de cinco mil anos de elaboração dos signos, das palavras, quase tudo o que se escreve, na atualidade, já foi abordado pela criatura humana. Os escritos absorvidos e o imaginário que está no inconsciente coletivo produzem o INTERTEXTO.

Por vezes, este é tão singular, original, criativo, que, na sua raiz, datam do início da luta do humano com a PALAVRA. Quando vemos, está embutido no texto os luminares da Grécia Antiga, uma pitada aristotélica ou laivos do espírito de um Sócrates. Ou a construção poética grega inusitada de madame Safo, no séc. VI antes de Cristo.

De vez em quando, descobrimos que, por baixo de nossa criação, está vivo o pensamento shakespeareano, ou o de Allan Poe, Walt Whitman, Elliot, Baudelaire, Valéry, Neruda, Ezra Pound ou Pessoa, só para citar alguns castiçais de luz, corifeus em Poesia.

Amada! Não existem gafes poéticas, nem os poemas necessitam passar por um crítico para virem ao mundo. O que ocorre é que eles precisam ser reconhecidos, vir a obter o aval de teus leitores, e, pelo que vejo, tu não os tens já feitos, tens de os fazer: construir o teu público.

O mundo dos poemas não é o do subjetivismo, aquele da pessoalidade do autor, e, sim, a partir de sua criação, estes passam a ser dos domínios de quem os consome. A partir do momento em que a obra está no mundo, o autor mantém a autoria, porém é o consumidor que se apossa da peça poética.

Então, ele tem de ter uma linguagem fraterna, solidária, porque a Poesia pertence, a rigor, ao mundo dos condenados a pensar. Ela funciona de várias formas: como terapia, proporcionando o gozo psicológico e o alumbramento estético, mas nunca estará completa se não obtiver forma na cabeça do interlocutor.

O autor é o seu proprietário legal, por direito autoral, porém de nada adiantará se ele não obtiver, por sua temática bem posta, por sua beleza, por sua veracidade, por sua “estranheza” no mundo dos fatos, o apossamento que o leitor terá sobre ele. Ele passará a ser dos “domínios” do outro, porque ele contém o Mistério, e este não tem dono.

Estarei sempre às tuas ordens, à tua disposição, para confraternizar sobre a tua criação. Porém, não me digas que tudo o que vieres a compor terá de passar por minhas mãos.

Vai criando a tua arte. O que eu desejo mesmo é fruí-la, com apreço pela figura humana da autora, com alegria pelo talento inusitado pela forma e fundo dos poemas, e pelo sentir de que estamos mais próximos, mais humanos, em nossa intimidade intelectual.

Este conviver respeitoso, lúdico, não tem preço, porque é um estado de amor, de lirismo que o mundo concede a poucos. Somente aos que abrem o coração ao irmão.

Não me agradeças, tu bem mereces, porque tu és doce, culta e pacienciosa. A conquista sobrevém aos que trabalham. Nas Letras também é assim.

– Do livro DICAS SOBRE POESIA, 2009.

http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/2201202