O POEMA NANICO

----- Original Message -----

From: Ligia Lacerda

To: 'Joaquim Moncks - Gmail'

Sent: Tuesday, August 04, 2009 6:14 PM

Subject: TARDE DEMAIS II

“TARDE DEMAIS

Hoje, quando a vida é passado,

com toda sua carga,

que a primavera se foi,

levando o tempo da esperança,

quando vejo no espelho

que o inverno fez de mim

vaga lembrança do que fui,

hoje descubro que existes.

Por que essa ironia do destino,

que alheio ao que provoca,

cruzou nossos caminhos

para um encontro impossível?

Oi, amigo JM!

Transformei o soneto nesta forma moderna. Critica, por favor.”

Amada Lígia!

O poema aparentemente está melhor, apesar de não me lembrar completamente do conteúdo apresentado sob a forma sonetística anterior, que era exemplar precário, em fundo e forma, segundo tu mesmo confessas.

Porém continua nanico enquanto exemplar do gênero poético: linguagem direta, sem metáforas que propiciem alguma sugestionalidade; um choramingar que leva a nada, somente o subjetivismo que a ninguém interessa, sobre o gasto temário da perda do objeto lírico-amoroso.

Não basta apenas modernizar a forma do texto pretensamente poético...

Onde está o "estranhamento" que o poema deve desencadear? Alguma proposta de transcendentalidade? Onde, então, a Poesia?

E, no mérito, no conjunto ideológico que o poema quer passar, o que temos?

Para o poeta do passado, o que justificava a vida a dois era o assentimento amoroso, este descoberto como a resposta para todos os males do mundo. Justificava-se até o "mal de amor", o veneno, a bala na têmpora, o suicídio do corpo, mas nunca o desejo insatisfeito...

Tal como está lavrada a atual tentativa de poesia, relembramos o murmúrio matrimonial dos casamentos na igreja apostólica romana: “até que a morte os separe...”. E isto já era! A maioria dos nubentes não acredita nisto. O juramento frente ao sacerdote, ali, no altar, é uma repetição meramente burocrática e sem sentido prático.

A modernidade dos costumes, nos jogos do amar, consagrou que o encontro entre os amantes é meramente contingencial, prevalece o instantâneo, como se o dia seguinte em nada seja importante.

Hoje tudo é efêmero: Fica-se! O verbo “ficar”, na usualidade do diálogo e do agir dos jovens enamorados.

E o que é a Poesia, se não a transmutação, a transfiguração da matéria da vida? A arte copia a vida...

Se o mundo mudou, se os costumes se alteraram, a Poesia também acompanhará estas mudanças. Em tudo o que disser respeito: nos elementos que compõem a sua temática, na sua mensagem de fundo, conteúdo de valores, no contexto sociológico, na linguagem e na apresentação formal do poema.

Mas há sempre o leitor que usufrui, goza por identificação: alguém sem conhecê-lo, por ser poeta, descobriu o seu mal e o mundo está salvo, a vida se justifica. Delator e delatado tornam-se um só corpo e o sofredor pelo “mal de amor” não mais está sozinho...

O masoquismo ganhou estofo: "... quebra-se a taça, não se bebe mais".

– Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2008/2009.

http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/1779597