A QUATRO MÃOS

“O POEMA INCONCLUSO

Gilberto Wallace

Se soubesses quão difícil

é escrever um poema.

Ficar horas à espreita

do verso que salva.

E não vindo o verso

ir para a cama

com o poema inconcluso

como uma pedra na cabeça

esperando que no sono aconteça.

– remessa pelo Orkut, em 18Jan2009.”

Estimado Gilberto!

Somente hoje tive um tempinho para tentar um exame mais acurado de tua bela peça acima lavrada. Agradeço a tua atenção e confiança.

De fácil entendimento, o texto me parece prosaico, apesar de prosa enxuta, contemporânea. Quase nada está sobrante, exceto o comparativo "como uma pedra...". Entendo que a possível emenda supressiva deste “como” é necessária. Também, para limpar o texto, a supressão do artigo indefinido que o acompanha. Eu, acaso autor, faria a cirurgia, sem pejo: metaforizaria.

Pra que ficar com o comparativo, se podemos usar a metáfora? Poesia não é linguagem codificada, cifrada?

Teríamos, então drummondianamente: “... E não vindo o verso/ ir para a cama/com o poema inconcluso/ pedra na cabeça/ esperando que o sono aconteça.”

Talvez seja uma questão estética pessoal: amo as metáforas ao ponto de entender que, sem elas, não há Poesia. Mas, depois do Mario Quintana, que deu dignidade poética à prosa (sendo este, a meu ver, o seu diferencial poético), estamos – nós, os puristas – num mato sem cachorro.

Há, rarefeita no texto, a sensação do "estranhamento", caracterizadora da Poesia. Não vejo, também, a característica da "transcendência", aquela que nos permite o "alumbramento", como dizia Manuel Bandeira.

Agrada-me, no entanto, a prosa escrita em versos, no que está muito similar às traduções de poemas de alguns estrangeiros, em quem o andamento rítmico é diferenciado do cadenciamento poético usual entranhado no espírito brasileiro. No caso, lembro o acadêmico Ivan Junqueira traduzindo T.S. Eliot, em “Quatro Quartetos”, Civilização Brasileira, 1967.

Segue, com o carinho de sempre, a sinceridade e a franqueza de teu amigo condenado a pensar e a dizer, por confraternidade.

– MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2009/2023.

https://www.recantodasletras.com.br/escrivaninha/publicacoes/preview.php?idt=1399950