O PERIGO DA CONSOANTE GUTURAL

“PECADO ORIGINAL

Juleni Andrade

Astuta serpente da traição

Poder, intriga, ardor

Em meio às flores da estação

No ventre, fruto do calor

Agreste pesadelo, contemplação

Maldita a revelar sedução

Respira o ar da volúpia

Eternamente ora em vão

Em transe, absorvendo culpa

Se os céus lhe culpam ou não

Hoje sofre na amargura

E nas mãos pesadas da acusação

Mesmo que tenha na alma brancura

Porém, seus medos terão fim

Quando liberta desses pesos

Soltando as amarras, assim...

Seguindo ordens dos desejos”

Atendendo ao teu pedido, Juleni, passo de imediato à análise crítica.

Eu, como condenado leitor, não encontro ritmação bonita, estética, no texto "PECADO ORIGINAL", que está muito áspero, de uma dureza de causar inveja ao ferro!

Também pudera, o poema tem a sua espinha dorsal na consoante 'erre'! E todo o verso que tem o "erre" como âncora fica arrastado, pesadão, porque esta é a função da consoante gutural dura.

Vê "soltando as amarras assim", que se lê “soltandoazamarrazassim”? Aí está a desnecessidade do artigo feminino, neste verso. Deu uma notável cacofonia!

Aliás, artigos só em última necessidade, porque SEMPRE enfeiam o ritmo do poema. E tu, sem talvez te aperceberes, usas a velha fórmula da rimação, sem te libertares dela, deixando de adotar a poética do verso livre, a da contemporaneidade. Esta opção poderia ser trabalhada de modo a dar leveza ao poema.

Sugeriria que reescrevas o texto efetuando uma boa supressão de versos e fugindo da rima. Isto é muito difícil, porque o autor fica centrado no que escreveu ANTES e não consegue emendar o texto. Por que não pegas o título e fazes novo poema sem rimas?

O poema é sempre matéria viva que reclama do escultor, quando este se apressou no uso do cinzel, dando-lhe vida antes da hora aprazada ao nascimento.

Talvez seja esta a razão do primeiro choro (mesmo que este seja gutural), à garganta profunda de quem chega chorando após a palmadinha no traseiro...

– Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2008.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/1325048