AMOR: LAVRATURA DO TEXTO

(às corajosas escribas que se derramam pelo Orkut)

Constata-se uma situação curiosa no confidencialismo feminino: a autora derrama-se em linguagem amorosa, em sua possessão do amar, na inerente paixão do objeto do querer. No entanto, a elaboração das idéias dá-se como num sussurro, em que as palavras nem sempre são passíveis de serem ouvidas. O mesmo ocorre na escritura destas idéias...

O texto criado dificilmente é entendível em determinadas passagens intercorrentes. E nestas se percebe que há uma historieta real que une os personagens na nascente ficção. Parece que a insegurança inerente à possível perda do objeto amado, por sua reação antagônica ao que está escrito ou adversidades subjacentes à relação, susta a linguagem explícita.

Em suma, as palavras transfiguram o fato que não deve (ou não pode) ser de todo relatado. É a transmigração do real para signos entendíveis, numa proposta de identidade entre criador e leitor. Entenda-se: no caso do autor que consegue antever o leitor...

A regra, no entanto, é a de que o leitor não existe para o criador: ele constrói o seu mundo à revelia do amado e também de seu observador.

É oportuno e conveniente repetir: é, no mínimo, inusitado como a linguagem se apresenta tímida e, por vezes, torna-se até incompreensível pra quem está de fora. Com isto fica prejudicada a comunicação do tema ou assunto. Perde-se em estética e em conteúdo.

Parece-me oportuno atender ao seguinte:

Quando tiveres vontade e inspiração de falar de coisas íntimas, confidenciais, numa abordagem menos cifrada, menos codificada, mais aberta na linguagem, é conveniente não a descrever em versos, vale dizer: não lavrar o assunto no gênero Poesia.

Escreve-o em Prosa Poética, como se fora um bilhete de amor. E isto se faz em frases, linha a linha, ocupando até o fim de cada linha, com margem e paragrafação, como se fosse um assunto qualquer de uma carta, enfim...

A linguagem em poesia é para relatar coisas, atos e fatos que se traduzem por linguagem não aberta, compreendes?

Dá pra fazer uma assertiva: escreve tal como o tema vem à cabeça; depois vai cortando aquilo que está sobrando, podando, fazendo a cirurgia plástica no escrito feito.

É a isto que chamo de 'transpiração', que é o segundo momento de criação, no qual a emoção concede à inteligência e se burilam palavras, sentido e conteúdo.

Sei que isto é uma difícil tarefa a ser cumprida pelo autor – um verdadeiro desafio – porque a cada corte parece que se extirpa um pedaço da gente e do objeto de nossa posse enquanto realidade e ficção...

Mesmo sendo ficcional, parece que as palavras sangram...

Nos jogos do amar, o criador não vê e nem reflete sobre o que está escrito, e, sim, parece que se situa no mundo dos fatos e seus personagens. É a realidade que tem que ser mudada a seu talante...

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2008.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/1186179