POESIA: SUBSTRATO NO POEMA

(para a poetisa Leila Marques Bueno, em Mendonça, região de São José do Rio Preto/SP)

“REVELAREI O MEU GRANDE SEGREDO.

Leila

Fui condenada pela alçada da justiça do universo.

Com prisão perpétua.

Sou inocente nada fiz.

A te amar eternamente.

O promotor do raio solar

perpetuou aos meus olhos ...

o teu retrato falado.

A lua prateada

coloca seus sussurros

aos meus ouvidos.

dias e noites.

Como castigo diário...

fui condenada aos raios

das cores do arco iris.

a deslumbrar e a recordar

os seus ardentes beijos.

E ainda cercada de rajadas de ventos

seu corpo flutuando ao meu ...

com encantos de lindas paixões do seu e do meu...

dos nossos sonhos dourados...

nessa prisão perpétua.

Mas...assim mesmo juro a minha inocência.

dentro desta prisão dos meus sonhos.

a não ser te amar.

a te amar...

a te amar”.

Agradeço a aceitação de minha sugestão no sentido de que viéssemos a analisar esta peça poética que me ofertaras pelo Orkut. Sou-te grato pelo prazer que me ofereces. Sou um condenado a pensar e me apraz a análise crítica. Exercito e muito aprendo com esta prática. Ponho em ação idéias que me povoam o cérebro... Atualizo conceitos de teoria e prática poéticas.

Quase nada sei sobre a pessoa da poetisa e a profundidade de teu mergulho em arte poética. O normal, nos novos, é ser mero diletante, construtor sazonal em cima da chamada “inspiração”.

A Poesia chega com o seu véu de mistérios e o poema se constrói num “upa”, provindo das profundezas da alma humana, normalmente carregada de otimismo, de soluções para as perdas e ‘sufocos’ pessoais. Vêm do nada, da mesma maneira que a sensação gozosa do amar, tomando conta da gente, de nossa parte mais desconhecida, o espiritual.

Surge como uma bênção de Deus para vencer o que é hostil, aquilo que não agrada ao vivente, que neste momento abre o coração ao seu irmão leitor. Neste instante mágico, transformado em criador artístico pelo poder da Palavra sobrevinda, principalmente quando o texto surge com a roupagem e a alma da Poesia. Sob o dossel da doçura, na metáfora lírica.

O buril do cinzelador poético demora a se instalar na mão do artista, mas nem todos os escribas nesta fase conseguem descobrir o segundo momento de criação, no qual prepondera a “transpiração”, no qual a intelecção dá as dicas, chegando à forma “quase definitiva”.

Digo “quase” porque pra mim o texto, seja em prosa, seja em versos, nunca está pronto. Eu o trabalho sempre – forma e conteúdo – até que pelo que consta em sua espinha metafórica, eu possa pegar a sensibilidade de meu leitor, a partir da cuidadosa lavratura da peça.

O estudo e a tentativa de congeminação de autor e crítico, oficinação (ação de oficinar) sobre o texto fruto da inspiração original do autor, aponta para a forma-sugestão abaixo, que acaso aprovada por ti, servirá de base para estudo pessoal futuro e/ou possível publicação.

O texto é basicamente teu, somente “limpei o texto”, já feitas, portanto, as “cirurgias” coerentes e resultantes do processo de transpiração:

“O GRANDE SEGREDO

Leila Marques Bueno

Fui condenada pela alçada

da justiça do universo

com prisão perpétua.

Sou inocente nada fiz,

a te amar eternamente.

O promotor do raio solar

perpetuou aos meus olhos

o teu retrato falado.

A lua prateada

coloca seus sussurros

aos meus ouvidos,

dias e noites.

Como castigo diário

fui condenada aos raios

das cores do arco íris,

a deslumbrar e a recordar

os teus ardentes beijos.

E ainda cercada de rajadas

de ventos

o corpo flutuando no meu,

encantos de ardentes paixões

do teu e do meu,

dos nossos sonhos dourados...

nessa prisão perpétua.

Mas, assim mesmo juro inocência.

dentro desta prisão fantasia,

a te amar, a te amar...”.

É um belo texto em Prosa Poética, visto não ser composto de suficientes pitadas de Poesia, de modo a que chegue a este gênero como indiscutível classificação. Explica-se: não está presente neste possível poema a metáfora, a doidivanas rainha da linguagem codificada, que é o nome moderno do exemplar caracterizador da materialidade da Poesia...

Desde o título (derramado, arrastado, com a utilização original de um verbo no futuro do presente, polissilábico, formando uma frase...), vê-se que não se trata de exemplar que pretenda ser poema, conter Poesia como tal, nem sempre intrínseca ao universo do amar. Mas a vontade de que o escrito seja poema é o grande desejo de quase todos os autores, principalmente na Grande Rede...

No entanto, o amar é tão complexo em suas intraduzíveis e agradáveis sensações, que é difícil fugir do mero RECADINHO DE AMOR. E este, de somenos, é confundido como se fora Poesia. Aliás, a bem da verdade, a sensação do amar (em nós) já é o próprio poema não escrito.

A característica é a de que a Prosa Poética é um exemplar híbrido, composto de prosa e rarefeita poesia, mas não é a linguagem rasa do cotidiano, tem alguma doçura e derramamento emocional. Na prosa não há necessidade rítmica de andamento musical, a não ser que a poesia prevaleça. Portanto, é de todo aconselhável que seja lavrado em frases, linha a linha, e não em versos...

A Poesia é especificidade que se pode traduzir por quase-música. Esta dama tipicamente musical, primordialmente no lirismo amoroso, como é o caso do poema em prosa em exame, bem diz das angústias do amar e o “jurar de inocências”. É este o cadinho do poema a ser escrito...

Nos jogos do amar – mesmo que os neguemos – somos sempre de uma incontestável pureza: a dos fetiches e a dos segredos...

Ah! Bem a tempo descubro que só estou falando com esta desenvoltura porque estou semeando a Prosa e não a Poesia...

Nunca esqueçamos de que o sigilo dos atos é a alma dos segredos, seja ao pé do ouvido, seja na prosa ou no verso...

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2008.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/1170099