MEXENDO NO VESPEIRO

(dois dedinhos de prosa com Elaine Colonhezi, em Maringá/PR)

“EXTINTA

Ana Maria Bruni

Eu, Mulher

Fecho minhas pernas

Bloqueio meu ventre

Seco meu peito

Enrijeço minhas mãos

Calo minhas palavras

Deixo meus braços junto a meu corpo

Meus pés não caminharão

Não guerrearei

Emudeço minha voz

Desapareço

Extinta

E então Homem,

Verás e sentirás

Que não terás mais prazer

Que não gerarás filhos

Que sua casa se tornará um caos

Não serás abraçado

Nem ouvirás doces palavras

Não terás auxilio no labor

Nem quem empunhe a espada ao teu lado

Caminharás só,

Caminharás só,

Caminharás só,

Como um animal em extinção

E serás exterminado,

porquanto me exterminaste primeiro.”

Grato pela peça literária remetida. Gosto do poema enquanto exemplar estético e procriador de idéias. É um bonito exemplar: o rescaldo das contemporaneidades.

Os versos nele contido têm alma de combatente. Entretece armas até o extermínio, em nome do subjetivo amor, na visão lírica de quem não quer ou teme suportar o sofrimento decorrente do amar.

Fico com Fernando Pessoa: “Ninguém ama /senão o que de si há no outro/ ou é suposto”. Ama-se, enfim, a si próprio dentro do outro. A repetição do espelho de Narciso ao ver refletida a sua imagem na água do lago.

E o sofrimento não é da natureza da possessão do AMAR? Não é a materialização da impossibilidade imediata da posse do outro?

Preocupa-me, no mérito, com o que está contido no poema. Euzinho – enquanto homem – o ‘exterminador possessivo’, segundo a autora. O impossibilitado de gerar pelo extermínio de si e da parceira. O impossibilitado de procriar, o ‘sem descendência’ em nome do jogo viril da relação amorosa contemporânea.

"EXTINTA" é um poema realista e fala a linguagem da chamada 'nova mulher' – aquela que compete em tudo com o exemplar masculino e que parece pretender socavá-lo.

É a esta competitividade que adere o naipe feminino da contemporaneidade – via publicização e fortalecimento do inconsciente coletivo.

A mesma mulher que, para vir a ganhar quinhentos reais, paga salário semelhante a uma babá que sequer sabe ler uma historieta para o filho da mãe. Que ao bichinho humano nem oferece o livro para que este tenha a sensação tátil do objeto. Simplesmente porque o livro não faz parte de seu universo de afetos, atenções, entendimento e costumeiros usos.

Este rebento é mais um que na idade de quatro anos já é excluído da massa de leitores que escolherão os futuros governantes que decidirão sobre o seu próprio destino... Como quer Brecht em “O analfabeto político”.

E esta criança, principalmente se do espécime masculino – não iniciado desde cedo no hábito da leitura – nunca compreenderá a possibilidade de ‘extermínio’ a que se expõe a mulher na idade núbil, nos entreatos lúdicos do amar.

Assunto difícil e polêmico para um poema, não?

Mas isto é da natureza da Poesia: nunca dar respostas e, sim, instaurar perplexidades, discussões...

Bem parecido com a natureza do amar sem medidas, aquele que exclui todos os extermínios, porque é razão de vidas e de futuros.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2008.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/1052571