CHUVAS E CRENDICES
Vi, certa vez, durante uma tempestade na zona rural, um camponês lançar mão de recursos místicos a pretexto de amainá-la: primeiro colocou sob a chuva, no chão defronte a porta da casa, um pedaço de madeira queimada. Ao ser inquirido sobre qual o significado daquele gesto, informou: “É um tição da fogueira de São João; a chuva braba respeita ele!”.
Como os resultados positivos não se faziam de imediato, empunhou uma tesoura e, pela janela, fez vários gestos como se estivesse cortando algo invisível no ar, com golpes firmes e rápidos, lançados em várias direções. Novamente ao ser inquirido sobre o gesto, respondeu: “Isso corta a chuva braba em pedaço; enfraquece ela!”.
Quando o temporal passou, o nosso preceptor, acreditando haver controlado o fenômeno e se ufanando disso, concluiu com ares de quem tem conhecimento de causa: “Aqui na roça a gente tem que saber lidar com a chuva. A gente respeita ela e ela também respeita e traz a vida pra nós!”.
Lembrei-me, então, do poema “Chuvas”, de João Cabral de Melo Neto. O poeta fala da relação do sertanejo com a chuva; o fenômeno é personificado: “No sertão de alma bruta / a chuva é mais que chuva. / É pessoa: e isso é mais do que tudo que traz.”.