Migalhas de Amor.
Domingo à tarde, a vontade que tenho é de ficar em casa, descansar o corpo e a mente da semana que é corrida demais, dormir um pouco, curtir minha família, ler mais, escrever alguma coisa, navegar na net... Mas normalmente venço essas vontades. Já me habituei a passar o final da tarde e começo da noite na casa de meu pai, conversando com ele, ouvindo seus desabafos, fazendo-lhe companhia... Compensando assim a falta semanal, tendo em vista a indisponibilidade de tempo, em decorrência de minhas atividades profissionais e familiares.
No primeiro domingo de maio p.p. roubei um tempinho do “meu velho” e fui com minha filhota e outros amigos fazer uma visita ao Abrigo Amantino Câmara. Além do objetivo de visitar todos que ali reside, a principal intenção era festejar o aniversário de D. Ana – estava comemorando o seu 102º. aniversário, uma longa caminhada. Embora tenha filhos, netos e bisnetos a exemplo de outros que ali estão sua família não encontrou espaço em suas vidas para cuidá-la. D. Ana é uma senhora muito alegre apesar de sua condição atual, devido sua estrutura corporal ser muito delicada, se locomove por meio de cadeira de rodas, mesmo assim, mostra um ar de alegria em seu rosto e um doce sorriso nos lábios. Ainda goza de sua lucidez e sua visão é suficiente para ler – leu todos os cartazes que levamos em sua homenagem. Após a entrega de alguns presentes, que a deixou muito satisfeita ela falou que gostaria de cantar uma canção em agradecimento a nossa visita. Cantou. E foi um momento de grande emoção! Senti uma energia positiva que emanava daquela senhora, apesar de sua fragilidade física em decorrência de sua idade, mas espiritualmente de uma fortaleza ímpar, mesmo distante de sua família. Áurea radiante! As outras senhoras e senhores são também uns amores. Fiquei impressionada com tanto carinho que aquelas pessoas têm para dividir com alguém e suas famílias os colocam em um abrigo, distanciando-se daquele convívio, que sem dúvidas, teriam grandes ensinamentos – frutos da sabedoria da existência. Quantos abraços e aconchegos, histórias da infância entre outras relíquias, deixarão de ser vivenciadas em família? Podemos observar que alguns são muito carentes, precisam tanto ser ouvidos, abraçados, beijados, amados... e estão ali somente sobrevivendo, porque praticamente toda a vida de luta, de amores, desamores, foi deixada aqui fora. Perdeu-se no tempo e agora só restam lembranças e de vez em quando algumas migalhas de amor, levadas ali por pessoas que cuidam no seu solitário cotidiano ou por visitantes que esporadicamente os escutam e lhes dão um pouco de carinho.
Quando chegou o momento de voltarmos, sai com o coração apertado. E a pergunta girava em meus pensamentos, como alguém tem coragem de deixar seus avós, pais ou irmãos à margem da família? Não sentem amor? Esqueceram como foram acolhidos em sua chegada à vida? Como foram cuidados e zelados por essas pessoas? Não, não encontrei resposta. No retorno, fiz mais outras visitas e encerrei à tarde com o costumeiro bate papo na casa de “meu velho”, expliquei pra ele porque o tempo seria menor naquela tarde e ele compreendeu e aprovou perfeitamente. Senti-me tão recompensada, tão fortalecida por ter vivido aquela tarde e ter doado um pouquinho de meu tempo e de meu carinho àquelas pessoas. Pude avaliar o quanto é importante priorizar um tempo para nos doar um pouco, às vezes uma simples visita, uma palavra de carinho, um abraço... Tem um poder tão significativo, tão intenso e nos faz um bem enorme. Não importa se fazemos parte da família de sangue ou da família universal, sempre precisaremos uns dos outros. Temos que nos doar, deixando transbordar dos nossos corações o mais puro amor, conforme o grande mestre Jesus nos ensinou.