UM SONHO SOBRE A ETERNIDADE...
UM SONHO SOBRE A ETERNIDADE...
De Poet Ha, Abilio Machado.
ELA se encontrava numa saleta, quase um quarto, assentada a uma mesinha da mesma cor acinzentada das paredes, que apenas detalhes e eram brancas, os pés da mesa e a moldura da janela sem trilhos, apenas um grande vidro.
Já sabia agora onde estava, uma cabine de alguma embarcação, provavelmente em algum ponto de uma zona portuária, avistava à minha frente a cidade proibida, onde não conseguia colocar seus pés, não possuía autorização, tampouco aqueles que também se encontravam neste lado do rio. A cidade que lhe aparecia era formada por colunas de prédios, edifícios de várias formas e que continham uma luz, que a fazia ansiar em estar lá, naquele lugar, vivendo daquele momento com a pessoa que já foi sua, a saudade de seus ombros largos, de seu olhar bonachão, sua voz meio cantada.
Na água a poucos pés de onde atracaram aparecia uma quarta parte de um container que teimava em não ceder, teimava em não submergir acompanhando o seu resto que já há muito estavam com os porões cheios de água desde o seu naufrágio.
Algumas bóias brancas se espalhavam delimitando a área e servindo como aviso para que além daquilo seria invasão de território não autorizado.
Um rodamoinho aparecia em um ponto das águas. Calmo levava uma embarcação quadrada que mantinha sobre si também um container, caixa grande e lacrada que parecia encaixar-se perfeitamente em seu interior e por surpresa do destino agüentava firme em seu equilíbrio nas suaves ondas da maré, como uma folha solta na superfície da água seguia o ritmo das pequenas ondas, afastava-se e descrevia um arco longo e retornava á margem.
Uma criança, menina, aproveitava o passeio, subia seus pezinhos na beirada da barca e com seus dedinhos agarrava fortemente na caixa, esticada ao extremo, enfrentava o próprio medo lançava-se à s aventuras de mais uma volta e ao retornar á margem soltava risos de contentamento pela brincadeira e pela superação.
E ela ali, ao telefone cinza encostado à orelha, chateada e triste, lançava mão de provérbios e advérbios, artigos e sujeitos nos impropérios e exigências dos motivos que levaram aquela outra pessoa na linha a lhe deixar...
Os por quês, seus gritos e nervosismo, o retorno, as explicações, ora a levavam ao passado e ora a traziam naquele presente que assustava e ao futuro mais amedrontador ainda, só e aquela criança, que seria dela sem uma figura paterna, sem aquele ícone que mesmo sem poder a carregava no colo, a lançava para o ar... Que seria daquela criança num tempo de escuridão, de escassez, de guerrilhas, de agressões gratuitas...
O pequeno camarote era quase sufocante, o grosso vidro parecia ampliar aquela distância, parecia um rio muito largo, águas turvas, navegação difícil, cheio de obstáculos para obrigar a parar, e ela tinha medo de colocar seus pés naquela água, um medo postado, de hereditariedade, de não querer experimentar, talvez o medo do novo, de uma nova vida, bastava ficar a seco para sentir-se segura, o risco do sacrifício era arrepiante.
Perdia-se naquela vista, seu grande amor estava ali, tão próximo e ao mesmo tempo tão longe... Falava ao telefone e uma lágrima despencava pela pele e ao atingir o chão ecoava dentro de seu peito, um tambor chamado saudade.
Percebeu que aquele rodamoinho a cada volta descrevia um arco maior e antevia o que aconteceria. Gritava enlouquecida para a criança que não subisse novamente, que não se aventurasse de novo, ela não escutava de onde a mulher estava e ela, a criança, estava feliz pela brincadeira que descobria naquela superação a si mesma, o uso da adrenalina produz muitas reações, nos jovens produz ímpeto de luta, nos adolescentes a ousadia, coragem frente às adversidades, aos pequenos causa confiança.
Mas, a barquinha fez o início de sua caminhada, e foi direto ao naufrágio anterior, o baque da madeira batendo no container semi afundado, o grito da criança e o seu grito se fundiram, soltou o telefone, subiu os lances de escada que surgiram e pulou, não sabia onde caía mas, ao ver aquelas mãos acima da superfície das águas, agarrou os pulsos e puxou o corpo todo, de uma vez, num rompante, trazendo aquela menina linda e agora toda molhada aos seus braços, olhava para seu corpinho miúdo e choravam, a jovem senhora de alegria e a criança...
Assustada por ter sido jogada às águas e retirada com tamanha força, soluçava. Seus soluços eram pelo medo e pânico do acontecido e enquanto a heroína ria de alegria naquela mistura de ter coração liberto depois do aperto, de ter sido levado à busca de forças que lhe pareciam que não mais existiam dentro de si, uma felicidade mística.
Aquele lamaçal que era formado no fundo daquele rio acercava seus pés, por breve momento olhou para a cidade, já estava na água, por que não usar desta coragem do desespero e avançar, um medo do desconhecido lhe apanhou novamente e saiu rapidamente e cheia de tremores, subindo ao barco ancorado.
Na varanda da embarcação balançando naquele vai e vem, permanecia ainda olhando a cidade, ali, parecia que quase pudesse tocá-la com os dedos, era-lhe quase possível sentir o cheiro do local, das árvores e das pessoas, um cheiro de vida que aqui do outro lado não era perceptível e acabou desistindo por receio...
Faltou-lhe a coragem da criança, a ousadia do adolescente e o ímpeto do jovem... Parou na teimosia do velho, e ter consciência disto a deixava mais triste ainda.
Mais por quês afloraram, de repente surgiu um homem surrado pela vida pregressa, magro, amiudado, barba e bigode de alguns dias, roupas que lhe sobravam, olhos com grandes bolsas de insônia, marcas de uma face que um dia já foi cheia e que com os anos minguou ante o álcool, os dentes e os dedos amarelados pelo tabaco forte, mas com um brilho de esperança dos profetas embriagados.
Afirmava que ela deveria retornar à s águas para que a criança não permanecesse com medo delas, pois acreditava que a única maneira de ir até aquela cidade que olhavam seria pela travessia do rio, feita a pé, por dentro das águas turvas e enegrecidas daquele estreito.
Olhou para ele e para as águas... Seu coração batia forte, a criança no seu colo, ele parado esperando sua decisão, o amor do outro lado... A lágrima teimosa a escorrer pela face... E ela acordou!
“Contou-me durante o almoço de seu sonho, e eu aproveitei para falar então da necessidade de que devemos selar nosso casamento para a eternidade, perguntei que se em algum momento ela não pensou nisto, pois sabemos eu e ela que já nos conhecíamos antes desta vida terrena e se era seu desejo que voltássemos a ficar sempre juntos, no paraíso. Que no seio de nossa comunidade ela não ficaria só, pois as outras mulheres estariam sempre presentes, elas se completariam nos trabalhos de evangelização e de assistência social. Que nossas filhas teriam um grupo de jovens também como companhias para que se mantivessem firmes e no caminho reto, que nossa neném estaria entremeando outras crianças e desde muito cedo teria uma comunidade e uma preparação mais sábia.
Eu profetizo este sonho como um bom sonho e agradeço pelas palavras emergirem e a oportunidade para falar sobre o selamento para com minha esposa e dizer-lhe que eu a desejo para sempre, não até que a morte nos separe e sim por toda a eternidade.”