Juliana

Me bate o desespero. Branco. Total. Como se, por um segundo só, me deixasse de sentir. E desespero é figura da ilusão, do ilusório misturado com a loucura. Loucura. Me sentisse mais louco, menos homem ou qualquer exageros a mais, mas o desespero, nem pensar. Misturaram-se fotografias de nós dois, as minhas, as dela, de nós. Juliana e as cantigas de ninar que me tomavam o desespero, meu maior tormento. Ela e sua cores tantas das quintas, sábados e domingos que intimidavam-me o olhar. Um dia, inventou sorriso triste pra me convencer de que ela iria, por fim, iria. Não fala isso não menina, eu paro de respirar. Levou um dia inteiro de sorriso ensaiado pra me dizer que estava enjoada, com fome, cansada e inchada. Demorei ainda alguns instantes pra descobrir que seria pai, de um filho de Juliana, a minha Juliana. Resolveu parar o mundo e tirar fotografias. Da minha roupa, da escada, do céu – sua preferência imparcial. Comprou um flauta e relutou em dons passados. Nas cantigas de ninar. Comia melancia, muito mais que Magali, e só andava de branco. E eu, trabalhava pensando nela, comia pensando nela e só falava dela. Me esqueci por causa de Juliana. O mundo, pra mim, eram os cachos de mel que me afagavam o sono e todas as manhãs. Eu mimava seus caprichos e criava mais, me entregava aos seus sonhos, aventuras, desejos... me entregava de olhos vendados à tudo que ela quisesse criar. Pulei de uma ponte pela primeira vez. Ela segurava nas minhas mãos, com sorriso arteiro e o queixo tremendo de frio. Perguntou você confia em mim? Eu confiava, claro, confiava cada pedaço de mim em suas mãos. E pulamos. Mergulhamos em água negra e mais fria que um gelo, andamos de patins no gelo e eu cortei a perna dela. Ela chorava, eu chorava por dentro, como se minha dor conseguisse ser maior que a dela. E, antes de dormir, ela tocava as cantigas de ninar. E, de tanta melancia, a barriga cresceu duas vezes mais. Inventara de usar borboletas no cabelo, e parecia um anjo teimoso e comilão. Eu trabalhava em sofrimento por cada instante a menos que tinha do lado dela. Chegava em casa e ela me dava um abraço apertado, daqueles que anos de saudade nos fazem dar. Agora abraçávamos em três. E tinha aprendido a pintar, encheu a casa de quadros e cores e vida ofegante. E eu ia, e vinha louco pra ver minha menina. Minhas meninas, ela havia me contado. Quantas vezes eu acordei durante o sono para vê-la sonhar. Mas uma noite ela soltou minha mão, eu acordei, ela sorriu. E se foram, as minhas meninas, por minhas mãos. Ela, que tanto encheu minha vida de amor.

Ie
Enviado por Ie em 21/05/2008
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