BOLERO

BOLERO

DONATO RAMOS

do livro FOLHAS SOLTAS

...Hoje, “ali por volta do almoço”, ouvindo um CD de boleros inesquecíveis, comecei a cantarolá-los.

Ah! os boleros! Lá estavam Solamente uma vez... Noche de ronda... El Reloj... E tantos outros me levando para o passado, já bem distante. Olhei para o lado da cozinha. A mulher estava com a mão estendida, como se fosse pegar alguma coisa inexistente e não pegava porque estava com os olhos fechados. Percebia-se a viagem não se sabe pra onde...

- Ce tá doente, é...?

- Não é nada. Foi só uma dorzinha de cabeça. Mas já passou.

Já ouvi isso noite dessas, pensei. Aí, descobri a influência do bolero, suas letras e porque os dançarinos gostam tanto desse ritmo e das letras românticas, dos Agostín Laras e Roberto Cantorais do passado; minha mulher também, a sua também, doidinhas pra entrar no salão ouvindo “la última noche que passe contigo... quisera olvidarte, porém não consigo...”.

E é nessa hora que dançarino que se preza tem que inventar sempre. Todos sabem que mulher sonha bastante. Quando está na cozinha, sonha com o radiozinho ligado. Não só na cozinha, mas no tanque, na máquina de costura, de lavar ou fazendo crochê. À noite, nem se fala: quando apaga a luz começa a se inquietar. Vira pra lá, vira pra cá, pega nisto, pega naquilo... Principalmente naquilo. Porque, você acha, que ela apaga a luz...? Fica “assim” de Geanequim e Bread Pitty te empurrando na cama, pedindo pra você cair fora ou ir mais pro canto.

E no salão...? Dos melhores ritmos pra dançar e inventar uns passinhos bem maneiros o samba é um deles, mas o bolero é melhor! Imagine aquela voltinha do bolero, onde vai parar o joelho...?

E na hora em que você “desestica” o braço e a enlaça mais apertado? E quando – sem querer, é claro! – você esfrega os cabelinhos (da barba!), quando vira a cabeça para o outro lado?

Você já notou que nessa hora ela já está de olhos fechados?

Aí, você, na mente dela, já se transforma em mais gordo, mais magro, mais alto ou mais baixo, mais cheiroso, com outra marca de desodorante.

Vamos parar por aí, senão ela acorda. Vamos para o joelho, ou melhor, pro bolero.

DONATO RAMOS
Enviado por DONATO RAMOS em 21/05/2008
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