POR QUÊ?

POR QUÊ?

DONATO RAMOS

do livro FOLHAS SOLTAS

Perdoe-me contar uma história onde há tragédia, sonhos desfeitos e interrogações. Muitas interrogações.

Por que será que Deus fez um mundo assim?

De quem é a culpa disso que vou contar?

Já vi muita coisa, muitas coisas me contaram e se você tiver um tempinho, senta aqui ao meu lado e escute: não vai ser fácil, no entanto, ouvir sem se espantar com a brutalidade da vida, mas é necessário prestar atenção e, talvez, tirar uma conclusão pelo menos aceitável. Escute, amigo:

José Machado, filho de José e Maria, residentes em Xanxerê, oeste catarinense, tinha seis anos de idade.

E, como toda criança, brincava com sua irmã mais nova.

Como sempre acontece veio um desentendimento.

Na sua inocência infantil, José muniu-se de uma enxada e bateu na cabeça da irmã, provocando a sua morte instantânea.

Aí, tudo começou. O começo do fim. De desespero.

Retirado de casa e levado para Chapecó onde, sem ter lugar apropriado, foi conviver na cadeia local, entre facínoras de toda a natureza.

A partir daí, José nunca mais ouviu falar da sua família.

Seu mundo passou a ter uma diminuta dimensão, mas grandiosamente trágico.

Uma cela fria, de paredes lisas, sevícias, medo, choro, ameaças, xingamentos.

Ganhou o apelido de Mazzaropi e acostumou-se a comer mal, dormir pouco e a ouvir palavrões. Vou resumir:

Primeiro perdeu a visa esquerda. Depois, a direita. Cegueira. Problemas no ouvido, perdendo parte da audição.

Depois de sete anos, a imprensa chapecoense – com o advento desse tal jornalismo investigativo - descobriu o fato.

Denúncia pública!

Ficaram sabendo, então, que José tinha medo e que dizia constantemente:

- Me tirem daqui, pelo amor de Deus!... Arrumem alguém que cuide de mim... Não agüento mais tudo isso! Eu tenho medo...

E chorava porque tinha medo.

Sete anos na cadeia de Chapecó. Já estava com treze.

A Coordenadoria Regional da Fundação Catarinense do Bem Estar do Menor arranjou um local para José ficar.

Mas José já havia perdido a família, a irmã a quem inocentemente havia matado numa brincadeira de criança. Mas José estava cego. José estava surdo. José estava muito doente. Roubaram daquela criança o direito de viver. Roubaram de uma criança o direito de ser filho de Deus, como tanta gente pensa ser.

Não tenho mais idade para questionar Deus. Longe de mim essa idéia!

Não inventei esta história. É real. Mas como tudo o que é real parece invenção no mundo em que vivemos, fica apenas uma pergunta que faço a vocês todos que me ouvem ou lêem: de quem é a culpa? Por que a omissão? Por quê ninguém quer ouvir esta e outras histórias que falam das interrogações...

DONATO RAMOS
Enviado por DONATO RAMOS em 20/05/2008
Código do texto: T998330