QUEIMANDO ATÉ O FIM
Médicos americanos descobriram em 1974, se não me engano, uma doença moderníssima e que já está fazendo o maior sucesso neste início de século XXI.
O nome da doença é “burn out”, e o significado é, mais ou
menos, ‘“queimar até que só restem as cinzas”. Esta não é uma doença
de incendiários urbanos nem dos tocadores de fogo das matas brasileiras,como pode parecer, mas de pessoas que trabalham muito. Vamos explicar: trabalhar muito, neste caso, não é ficar no escritório l2 ou 15 horas todos os dias e, nos fins-de-semana, andar feito barata tonta pela casa sem saber o que fazer. Esses são os “workaoolics”; os drogados pelo trabalho. Os atacados pelo “burn out”, adoram o que fazem, mas volta e meia têm vontade de chutar o pau da barraca, porém não tiram férias porque acham que sempre tem alguma coisa que deve ser feita,por eles, é claro.Geralmente comandam muitas pessoas diretamente e milhares de maneira indireta; estão em permanente contato com elas, resolvendo,geralmente, as mais diversas questões pessoais que afetam o desempenho profissional deles, podendo, assim, contaminar o grupo,ou um departamento ou uma empresa inteira, acreditem.
Queimando até às cinzas, vão se consumindo e consumindo
outras pessoas, em geral aquelas que estão mais próximos, e não separam o ambiente de trabalho do ambiente familiar, misturando todos num único campo de batalha. Acreditam que têm de comandar todas as pessoas e todas as coisas com o mesmo ímpeto, com a mesma lógica, sem distinção.
Confundem os subalternos, de chefias, com os filhos, e o marido (ou a
mulher) com chefes de departamentos e só não cobram e exigem mais
porque, nesse caso, entra um componente na relação: o amor. E em
nome do amor adotam o outro lado da moeda; não deixam ninguém
fazer nada que não seja do seu jeito e à sua maneira.
Não exigem.Sufocam.
Os contaminados com “burn out”, em geral, acreditam que estão sempre com a razão, acertam sempre, não erram nunca e estão
terminantemente certos. Não são propriamente prepotentes. Impõem
sua vontade sem a violência e a agressividade que caracterizam o
prepotente, pois fazem isso com tal naturalidade que faz muita gente
pensar que são “sempre” competentes. Não são. Agem assim porque
são egoístas e severos com eles próprios. Por isso nunca pedem
desculpas, nem com licença, nem por favor e jamais dizem: “você está
certo(a), eu estou errado(a)”.
Sem esta reflexão pessoal, - são ótimos para refletir sobre os
outros - não são capazes de exercer a autocrítica. Jamais param para
fazer um “mea culpa” seja lá do que for, pois estão isentos de culpa.
São pessoas imutáveis, presas às suas próprias convicções, ao tempo,
ao cotidiano, à rotina e a pequenas coisas. São incapazes de ousar, de
transformar, de desfazer e refazer e são totalmente conformados.
Seguem normas, procedimentos, leis estabelecidas, principalmente as
que impõem a si, todas elas advindas daquelas já existentes e
estabelecidas. Nada de novo.
Arquibaldo, o breve, sempre se metendo onde não é chamado,
tem um péssimo defeito, entre milhares, que é o de espiar o que estou
escrevendo e dar palpites furados. Agora mesmo, Àrqui – que é como o chamo carinhosamente – me diz que só o nome da doença é que é novo. “Antigamente - diz ele - quem tinha essa doença a gente chamava de Cu de Ferro, e não era um doente ,era uma pessoa chata mesmo. Insuportável e de difícil convivência”,arrematou,concluindo mas continuando.
“Conheci alguns deles em algumas empresas. Havia um que só chegava na hora, nunca se atrasava. Saía quando dava e ficava feliz quando era convocado para trabalhar até mais tarde.
Achava que tudo e todos só funcionavam porque ele existia e, quando
alguma coisa não andava como queria, tinha uma súbita vontade de
mandar tudo às favas; mas essa vontade passava logo e ele voltava a
atacar. Ano após ano, ele sempre achando que estava certo, sempre, e em tudo. Era um sujeito estranho e solitário. Não saía para jantar fora, não jogava uma pelada, não comprava livros, por isso lia pouco, não freqüentava galerias de arte nem comprava quadros nem esculturas. Não ia ao cinema, nem ao teatro, nem comprava discos. Não consumia nada disso porque não dava valor a essas coisas. Não tinha mais amigos nem fazia novos. Só tinha colegas de trabalho com quem às vezes sai para falar de... trabalho.
A vida dele passava morna, implacável e inexoravelmente em
direção ao fim. Foi perdendo a graça, a elegância, a vaidade, o ânimo e
a tesão. Uma noite, sentiu um cheiro esquisito. Olhou para os lados e para cima e não viu ninguém nem escutou nada. O cheiro esquisito era
insuportável; estava escuro. Procurou se mover e não conseguiu. Tentou acender a luz e percebeu que não tinha mão. Tentou erguer-se, mas não tinha pés nem pernas, nem mesmo o tronco. Tentou passar a mão pela cabeça e percebeu que já não havia cabeça, nem olhos, nem orelhas...só um pequeno pedaço da sua memória. Um pedacinho, bem pequeno, uma coisica de nada, apenas o suficiente para ele perceber tudo isso. O resto havia queimado e só restavam as suas cinzas”.
- Pois é Árqui, disse carinhosamente e preparado para o pior, é isso que eu estou tentando escrever.
PS – do meu livro Tem Gente, nas livrarias.