Primevas, Medievas e Longevas (Continuação) Berenice Heringer

Por isso a parturiente tem de elaborar a perda do seu bebê, que renasce no filho. Ela o perdeu e existe um lugar vazio, antes preenchido. Esta é uma etiologia da depressão pós-parto. O despojamento, a amputação. Juntamente com os desarranjos hormonais, alguns fluidos desaparecem e outros começam a ser secretados, há um desequilíbrio e tem-se de sofrer o luto pelo embrião-feto na placenta e investir o afeto de aceitação da presença do bebê no berço, um náufrago do barco protetor, reconfortante, com a eficiência e a completude do útero. Agora um hóspede de um leito frio, sob a força da gravidade, sujeito a todos os ruídos e anarquias que invadem a sua paz. .A saída da placenta, o corte do cordão umbilical, a insuflação do ar nos alvéolos pulmonares...Por alguns átimos há un petit mort, gênese da maioria das neuroses, fobias, paranóias futuras. De repente o Alpha ressurge em Omega, ou vice-versa. Lidando sempre com o Imaginário e o Simbólico, perdura a fronteira interposta pelo interdito. Lidar com perdas é desinvestir no desejo.

A relação mãe-filha é muito mais ambivalente do que a de mãe-filho. A filha não é TUDO. Inadequada e incompleta, como a própria genitora. Nas relações pendentes (ciúme, inveja) não se elabora o luto pelo objeto perdido. O resíduo dessa falta de elaboração pode ser uma raiva camuflada em depressão. A sociedade fingida e hipócrita não admite o ódio, mas tolera a depressão. O luto tem que ser definitivo e radical, capaz de eliminar todos os fantasmas incestuosos. Mulher com mulher dá choque. Como não há possibilidade da transgressão, a ultrapassagem através do incesto, o Inconsciente reelabora a frustração e a substitui pelo ódio. A Outra é sempre a rival, a concorrente, mais uma vulva, outro útero, mais um canal que deseja ser preenchido, tendo assim a chance de completar um ser originalmente de falta, um ser castrado que não possui o falo. O bebê é sempre um substituto.

Esses temas são muito profundos, quase inextricáveis. Mas é uma visão psicanalítica freudiana da busca da mulher pelo preenchimento, a prenhez, a gravidez desejada mas fora de hora ou inoportuna. Até as meninazinhas de 10 anos, na menarca precoce e conseqüente ovulação, já pode estar disponível para tal impregnação. O que choca os moralistas e os religiosos. Antes de lamentar as conseqüências, chorar o leite derramado, é preciso e urgente pensar nas causas. Uma realidade massacrante que coloca o Brasil no ranking mundial das gravidezes em crianças púberes e adolescentes, que nem sabem que são mulheres e começam a ser fêmeas de modo brusco e quase sempre violento.

Se todos pudessem intuir que o desejo é para ser desejado e não para ser realizado...

De que vale a proibição frente a essa avalanche? Antes valia, porque havia um medo, uma obediência ao interdito, que agora é rechaçado e ridicularizado. "É proibido proibir".

Talvez alguém pense que só as mães podem vir a odiar as filhas. Não é verdade. As filhas também estão sujeitas a odiar suas mães. Em alguns casos, a constatação é constrangedora. Parece existir uma encenação, um teatro. Difícil captar a verdadeira situação, porque há um patrulhamento exercido pela sociedade. Todos fingem seguir o modelo.. Numa viagem, captei três exemplos. Meu objetivo não é dedurar, mes enfants.

Estamos sempre em busca das causas-primas e as perguntas desencadeiam uma série de enígmas e perplexidades. Os animais irracionais não se envolvem nisso. São seres de necessidades e não de desejos. Estes é que são a grande armadilha para os humanos.

As nossas LongEVAS talvez possam ser salvas no Admirável Mundo Novo, de Huxley.

VV, 15/05/08

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 19/05/2008
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