E agora, poesia?

“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência”

As palavras de Drummond servem bem para analisarmos a ausência para nós do poeta Carlos Drummond de Andrade. De início, o afastamento de nosso convívio do Poeta Maior parece-nos - e como sentimos - uma falta. A falta do Homem, a falta do Poeta, a falta da Poesia.
Morre o homem; não o Homem. O Poeta deixou de nos brindar com novos poemas, mas a Poesia - a de Drummond - resistirá a séculos. A poesia da vida, enriquecida pelo Poeta, se perpetuará com outros poetas (menores, talvez), sempre na sua inspiração.
De início, vem-nos aquela sensação de vazio, de perda, e, perplexos, dizemos como ele já o disse: “E agora, José?” Ou poderíamos dizer: “E agora, Drummond? Que será da poesia sem ti? Como poderemos ver poesia numa pedra no caminho, se tu já não transmitirás esse sentimento a nós, poetas menores? Como podemos enfrentar os desatinos do mundo e traduzi-los em verso e prosa, como tu divinamente fazias?”
O mundo sente - e sentirá por muito tempo - a sua falta. E não esquecerá. Na história da Humanidade o nome de Carlos Drummond de Andrade se juntará a outros ilustres, a William Shakespeare, Leonardo Da Vinci, Luís de Camões.
O homem mortal - que ele sabia ser -, mesmo deixando a sensação de falta com sua ausência, está agora descansando das agruras da vida que nós outros ainda sentiremos e carregaremos.

“Não se levanta nem precisa levantar-se.
Está bem assim.
O mundo que enlouqueça,
O mundo que estertore em seu redor.
Continua deitado
sob a racha da pedra da memória.”

Ele já o sabia. E nos deixou em vida o sentimento de descanso que agora o acompanha. Nós, mortais ainda vivos, herdamos-lhe a obrigatoriedade de poetizar o mundo, de mostrar a beleza do corriqueiro, de manter funcionando sua “máquina do mundo”, como nosso poeta César Leal bem denominou sua poesia.
A pedra continua no caminho. E não poderemos ignorá-la, pois agora faz parte de nosso mundo, do mundo poético. O Poeta nos fez ver - poeticamente - que, mesmo gravando seu nome na História da Poesia, da Literatura, do mundo, o nosso Carlos Drummond de Andrade sabia da existência dessa pedra no caminho.

20/08/1987