Sem medo de amar
Numa tarde de sábado de céu desnudo e clima tíbio, deixei minha casa e sai para uma caminhada, na tentativa de preservar o físico e queimar as calorias excedentes. Fui a um parque nas imediações de onde moro. Poucas pessoas davam-se ao luxo de desfrutar do belo e agradável parque, que ali estava como um palco armado para o espetáculo do sossego.
Aproveitando daquele oásis, no seio da grande cidade, caminhei experimentando a leveza do corpo em movimento e frouxidão da mente. De mente silenciosa e solta, fiz um regresso inesperado ao meu passado. O passado é imutável, mas apesar de imutável, ele é a principal escola da vida. Como uma fita em retrocesso, revivi os momentos importantes de minha vida. Fiz um balanço de tudo, não descartei as tristezas, as derrotas e dores, muito menos dei ênfase as realizações, alegrias e conquistas. Tentei ser um juiz imparcial do meu próprio passado.
Nesse balancete, nessa matemática que nem sempre admite provas, cheguei a algumas duvidas. Se fosse possível mudar o passado o que eu mudaria? E de uma forma analítica, escolhi três pontos que gostaria de mudar.
Pelo menos um dia por semana eu esqueceria o relógio, esse mecânico marcador do tempo, e seguiria tão somente o relógio da natureza. Estabeleceria com a natureza uma relação de mãe-filho, deixaria de ser apenas um expectador, um admirador e um explorador. Estaria apto e receptivo aos seus ensinamentos e encantos. Respeitaria mais o seu olhar severo de reprovação, comum a todas as mães de elevada responsabilidade. Renunciaria a qualquer forma, qualquer atitude de minha parte que a violasse ou degradasse a sua integridade. Deitaria mais vezes na relva verde de seu regaço. Nadaria com mais freqüência nas águas límpidas de seu corpo. Deliciaria mais de seus perfumes, das fragrâncias exaladas gratuitamente de seu corpo. Visitaria com mais freqüência às poucas florestas que ainda existem e tentaria aprender com as plantas, com as aves e os outros animais uma forma mais simples de viver.
Se fosse possível retroceder, perdoaria a mim e as outras pessoas o mais rápido possível. Não carregaria por muito tempo o peso de sentimentos mesquinhos como a raiva, o ódio e a vingança. Com o perdão precoce eu experimentaria a leveza do corpo e da alma, caminharia mais solto e, livre das amarras, poderia voar sem fronteiras.
Amaria com mais veemência todas as pessoas que sempre amei. Procuraria estar o mais próximo possível delas e as tocariam com menos receio. Abraçaria mais apertado, sentiria mais intensamente o calor emanado de seus corpos; notaria os corações das pessoas baterem mais fortes e rápidos quando abraçadas. Apertaria mais fortemente as mãos, abriria um sorriso espontâneo, e com isso, abriria caminho para se estabelecer uma cordial relação. Beijaria mais pessoas, com entusiasmo, com sinceridade, pois o beijo sincero é a maneira mais singela de externarmos amor. Perderia a vergonha de dizer: eu te amo, pois, essas três palavrinhas possuem a riqueza mágica de aproximar as pessoas, de vencer as diferenças e de estabelecer a paz.
Caminhando com mente solta e livre acessei o passado, usando a ferramenta da imaginação. O passado, apesar de imutável, é a melhor escola e com ele tomei conhecimento que posso melhorar a minha existência, que posso viver bem o presente me relacionando melhor com a natureza. Perdoando sempre e o mais cedo possível. Amando mais intensamente as pessoas que amei e aquelas que não tive o privilégio de amar. Aprendi que a vida é bem melhor quando se vive sem medo de amar.