LEMBRANÇA TEM GOSTO...?

LEMBRANÇA TEM GOSTO...?

CARO MÁRIO GENTIL COSTA,

Amigo virtual, médico, escritor, provocador de velhíssimas lembranças:

Acabo de ver as belíssimas aquarelas que me mandou.

Fez mal, muito mal para a minha sensibilidade.

Maria Fumaça me transportou, imediatamente, mais depressa do quanto andava, a Paraguaçu Paulista onde, na Estação Ferroviária eu vendia doce e sanduíches no tabuleiro enroscado no pescoço.

Era a minha segunda profissão, porque as outras eram a de engraxate e vendedor de carambolas num cesta de taquara, de porta em porta.

Pois a Maria Fumaça me levou àquela Estação de Trem onde, ao lado, ficava o campo de toras e nas ruelas que se formavam entre montes de madeira roliça eu jogava futebol, descalço e com bola-de-capotão. No começo era bola de meia. E meia que a gente achava na rua pois nós, os jogadores, nunca as usávamos por não possuí-las.

Uma vez meu pai me levou a Presidente Epitácio - fim da linha sorocabana - , de trem. A fumaça entrava no vagão, de segunda classe claro, e as fagulhas queimaram a minha única camisa. Ficou uma porção de buraquinhos.

Comi peixe em Presidente Epitácio. Interessante, não sei se alguém já explicou: faz mais de sessenta anos e o gosto daquele peixe ainda está na minha boca, o cheiro da fumaça do trem ainda está em mim. Como é isso? Quantos odores e olores já senti depois disso, quanto peixe comi depois, quanta fumaça já engoli. Mas aqueles gostos, os cheiros ainda permanecem.

Lembrança cheira Mário?

Lembrança tem gosto, Mário?

Depois, como nas aquarelas que você me mandou por E-mail (Ah! O milagre do E-mail!).

Vi as locomotivas atuais, do trem-bala e outros tão bonitos, diferentes daqueles que eram pretos e enferrujados, com os vagões de madeira, a estrada de bitola larga e as rodas de ferro fazendo toc toc toc toc... Interminável toc toc...

Sabe, Mário, que ainda ouço aquele toc toc , barulho vindo dos dormentes mal colocados com os trilhos em cima?

Sabe que já vi Prefeitos usando as Estações de Trem para instalar repartições públicas onde as estradas foram desativadas? Sabe que roubavam e ainda roubam os trilhos para vender no ferro-velho?

Acabaram com as estradas de ferro e, agora, estão com a pulga atrás da orelha: se os caminhoneiros resolvem parar, pára o Brasil.

E aqui na Ilha, Mário? Não poderia haver um trenzinho, mesmo que fosse a Maria Fumaça puxando os vagões turísticos por toda a extensão deste paraíso que a natureza nos deu?

Todo mundo que ir no Arante de carro. O povo do Rio Vermelho pra vir pro centro é uma aventura em dias de festa. No Natal ninguém visita parentes que moram longe e quem vai prá lá, só volta bem depois da festa acabada. O Norte da Ilha se isola do centro, o centro se isola das praias...

Que venha a Maria Fumaça!

Quando isso acontecer e o tempo passar, muito mais gente vai se recordar, como eu agora, quando vejo as aquarelas da bem escurinha Maria Fumaça.

Vão se lembrar como eu, quando meu pai me levou prá passear aos seis ou sete anos de idade, comer peixe frito e tirar retrato com aquele senhor que os outros chamavam de Lambe-Lambe.

Abraços de um idoso meio bobo que está com vontade de andar de trem.

Donato Ramos

donatoramos@uol.com.br

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DONATO RAMOS
Enviado por DONATO RAMOS em 17/05/2008
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