O fim glorioso de Adão e Eva

          Sempre que leio os primeiros capítulos e versículos do Gênesis, fico com raiva de Adão e Eva! Quero também dizer, que não é coisa d´agora. É assim, desde o meu ingresso no Seminário seráfico, nos anos mil novecentos e quarenta e tantos.
           Pelo Regulamento interno do claustro, a gente devia conhecer a Bíblia nos seus mínimos detalhes.  Não se tinha, entretranto, o direito de questionar a monumental e respeitável "obra do Espírito Santo".           
           Não me canso de dizer, que nunca acreditei na história de Adão e Eva. Que Deus me perdoe se, adotando esta posição, estarei cometendo algum pecado.
           Mas minha descrença é o que menos interessa.  O texto sagrado está aí, e, ao que se presume, guardando sua milenar versão. 
           Confesso, todavia, que sempre achei os capítulos e versículos que tratam da vida de Adão e Eva no paraíso, de um lirismo e de uma ternura sem limites.
           Lê-se, por exemplo, que eles circulavam nuzinhos pelas alamedas olorosas do Éden e ainda tinham à sua disposição o que de melhor e mais encantador a Natureza lhes podia ofertar.
           Machado de Assis escreveu: "De tarde iam ver morrer o sol e nascer a lua, e contar as estrelas, e raramente chegavam a mil, dava-lhes o sono e dormiam como dois anjos."
          Viviam, pois, num mundo em que não havia maldade, nem ruindade, nem qualquer tipo de sacanagem...

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           E por que essa raiva toda de Adão e Eva?
          Oh! Creio, piamente, que se eles não tivessem desobedecido a Javé,  ainda estariam no jardim das delícias.
          Em conseqüência, não existiam os tais "degredados filhos de Eva", na sua maioria sofrendo horrores no chamado "vale de lágrimas", a Terra.
          É verdade que o progresso tem contrariado o Gênese.
          As punições divinas impostas aos desobedientes foram aos pouco sendo abrandadas. 
          A mulher, por exemplo, há muito vem parindo sem sentir dores; e o homem não tem que, necessariamente, encharcar a camisa para comer o pão de cada dia. Salvo os parasitas.

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          Fico zangado com Eva e Adão, mas, ao mesmo tempo, deles me apiedo. Expulsão? Por que castigo tão rigoroso?
         Afinal, eles teriam sido vítimas da astúcia de uma serpente, que cumpria ordens do Diabo.
          Foram sumariamente despejados do paraíso, por um Javé implacável, e com a perda imediata e irreversível de seus privilégios. 
          Por que Jeová não lhes deu uma chance? Não os perdoou?
          A serpente, "fel rasteiro", deve ter saído pelo paraíso afora morrendo de rir. Cumprira bem sua missão.      Destruíra a felicidade.

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          A história de que Eva e Adão teriam caído em desgraça tem versão diferente num belíssimo conto de Machado de Assis.
          Segundo o Bruxo, na casa de uma senhora rica, aqui na Bahia, discutia-se se fora Deus ou o Diabo que havia criado o mundo; e "se a responsabilidade da perda do paraíso devia caber a Eva ou a Adão".
          Do papo participavam D. Leonor, frei Bento, carmelita, e o Sr. Veloso, juiz.
          Ao magistrado Machado entregou a tarefa de re-contar a história dos nossos primeiros pais. Com base nas palavras do juiz Veloso, que, inclusive, assustaram a todos, Adão e Eva não se teriam rendido aos caprichos malévolos da serpente.
           Depois de recusarem as propostas da serpe, frisou o juiz, eles "deram as mãos um ao outro, e deixaram a serpente, que saiu pressurosa para dar conta ao Tinhoso".
          No final, a surpresa: de acordo com o Sr. Veloso, Deus viu tudo e mandou que o anjo Gabriel levasse Eva e Adão para o céu. Sim, para o céu. Um ato de justiça.
          Este conto do mestre Machado há muito me põe diante de uma dilacerante enrascada. Afinal, em que devo acreditar? No Gênesis? No Senhor Veloso? 
          Antes de morrer, anunciarei minha opção. Prometo.
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 17/05/2008
Reeditado em 14/01/2009
Código do texto: T993699