Primevas, Medievas e Longevas - I

Alguns nomes complicados esqueci, pegando tanajura pra rodar na ponta do graveto, escurecendo...(BH, in PER-FIZ, pág.50)

O que não dá mesmo para esquecer é a rivalidade ancestral entre as mulheres. Ou ódio?

Uma adolescente de 16 anos, já com uma cria e outra no estaleiro, mutila, tortura e violenta uma criança de 3/4 anos, filha do seu atual com outra fêmea. As mulheres são contumazes seviciadoras e mutiladoras de outras, suas desiguais e rivais. Como o assunto é de uma crueza chocante e as feridas estão sempre abertas, escancaradas na TV, falar disso é como imergir na salmoura quente e pulverizar com soda caústica. Ou queimar com ferro em brasa todas essas iniqüidades, que não desaparecem, só se vão multiplicando. Para um break no terror, temos de ressuscitar Eva e depois nos mirar no exemplo das mulheres de Atenas.

No mito de Adão, os primogênitos foram Abel e Caim. Com uma pedrada, este eliminou aquele e o quadrilátero da Inveja voltou a ser o triângulo do Ciúme. Pai, mãe, filho fratricida.

Será que Eva pariu filhas? Se, como se teria chamado a 1ª mulher que teve mãe? Adão não tinha umbigo, mas deu à luz Eva a partir da costela. Esses impasses indagativos ninguém explica. Eva reinou soberana e o seu reinado perdura até hoje. Majestade tirana e déspota, com ou sem esclarecimento.

Em outras fontes do mito, consta que Eva era Lilith, a primeira mulher de Adão, nascida como ele do limo da Terra, sedutora e demoníaca. Essa tal Lilith na mitologia grega ( ou noutras) representa a face oculta da Lua, a nova ou a mingüante, nunca vista no céu, misteriosa, furtiva, opaca e negra Selene. A mesma do Sabat e do lual das feiticeiras. Pode ser a outra face das deusas, pitonisas e sibilas, Cassandras, Pandoras e mesmo Afrodite, que impôs a Psique os maiores desafios, todos invencíveis, só porque esta se atrevera a olhar e a desejar Eros, o jovem deus do Amor filho dessa poderosa e vingativa deusa.

Creio que todo o ódio que as mulheres sentem umas pelas outras está embasado na presunção de possessividade que cada qual presume ter sobre os homens, pais, filhos, maridos e todo o contingente macho da face da terra. No tempo das capitanias hereditárias havia um título para agraciar os contemplados: Uti possidetis, que significa direito de posse do primeiro ocupante. A conditio sine qua non: tomar posse e usar. Ou usufruir, o uso revestido com o requinte, o que Santo Agostinho chama de gozo.

Outro afeto que afeta as mulheres é a Inveja, não no sentido bíblico ou moral, mas no psicanalítico, na visão de Melanie Kein, mestra no assunto, fundamentada na impossibilidade de compartilhar objetos totais, isto é, o alvo para o qual se dirigem as setas do desejo e da posse reivindicam o direito à exclusividade. O real do ódio é o impossível da fusão. O ódio é mantido fora do campo do desejo, pois permanece narcísico e sua função é mascarar a castração. Então, mutatis mutandis, seria um ódio a si mesmo (ao ser) projetado no duplo, no que denominamos imagem especular (de espelho). Tal reflexo pode ser o Outro (A).

No caso das mães parideiras a completude na gestação é interrompida pelo nascimento do feto. Também no aborto espontâneo ou provocado, há esta sensação de despojamento.

O que estava íntegro, indivisível, foi partido, amputado. Tal situação independe do sexo do bebê. A criança morre ao nascer, ainda que sobreviva...

(Continua logo em seguida...)

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 17/05/2008
Código do texto: T993126