AS MADRESSILVAS

Há três meses minha irmãzinha mais velha está morando no andar térreo de uma campa no Parque da Paz. Era carnaval e logo as Cinzas da Quarta-feira iniciaram o período das quaresmeiras em flor que salpicam o bosque da nossa incredulidade. O real dentro do irreal. Todos nós iniciamos o nosso Monólogo de uma Sombra quando as cigarras cessam sua algazarra e as brumas de avalon se adensam sobre o lago da nossa ignorância.

Tento me situar em Jacques Lacan com sua definição definitiva do RSI, ou fazendo qualquer alternância na mistura das letras como em Matrix. O ONE pode ser eno, NEO, oen, eon, noe.

Combinações sêxtuplas com duas vogais e uma consoante, o chamado embaralhar de letras no curioso anagrama. O RSI é uma sigla criada por Lacan e quer dizer Real, Simbólico e Imaginário, bem mais complicado do que o Id, Ego e Superego de Freud. Um coquetel molotov com três dígitos místicos, a Letra decifrando, em tentativas de ensaio e erro, o Enigma ou Gemina, ou Magine, quase o Imagine de Lennon. Em JL o Real não existe. É como na Física Quântica em que a esfera se torna ovalada. O Real mesmo é a Morte. É aquele retrato que não foi clicado, o negativo não revelado, aquele preto no branco que é também vice-versa e não consta no álbum de fotografias amarelecidas da nossa memória. O Real é a instância do atemporal e do inespacial e somos convocados a resolver a famosa equação de Albert Einstein, irresolúvel, pois não é nem direta nem inversamente proporcional. Talvez nos reste o desafio de Zenão de Eléia ou o zero de Avogadro. Em Newton, o sir Isaac, resolve-se a inexorabilidade da força da gravidade, da atração e da repulsão, a queda livre e o ponto de inércia. Tudo para reforço das nossas In-Certezas.

No Inconsciente do Mestre SF temos também as instâncias do Real que se ancoram na ausência de Tempo, de Espaço e de Moralidade. O escaler do Certo e do Errado não está disponível na barcaça do Inconsciente. Os remos podem também estar ausentes ou serem mágicos, auto-propulsores e podem nos levar à Terceira Margem do Rio, à Terra do Nunca, ou nos ancorar na Terra do Sempre.

Minha irmãzinha estava ataviada em suas vestes de Senhora do Lago, nas coreografias azuis do céu em dia sem nuvens, adornada num cobre-leito de rendas e monsenhores brancos/amarelos. E seguiu docemente na carruagem de rodas mudas por alamedas gramadas. E havia placas de mármore sinalizadoras. E nos desnorteamos naquela geometria plana sem mapas, desprovidos de bússolas, com nossos toscos sextantes emperrados e nossa capacidade de entendimento sedimentada. A inexorabilidade é grandiosa.

Com a veemência mavórtica do Aríete e os arremessos de uma Catapulta... Gente! Isto é Augusto dos Anjos, o Puro, o Inigualável, o Ousado na sua assunção do cotidiano e da sua sordidez, elevando-os à categoria de matérias-primas da Poesia.

Minha irmã, no quarto de ano escuro em que a Luz não rompe as lages de concreto da sua campa fria, reavivo meu arco-íris da Esperança e um brilho fosforescente me integra e nos amalga nas Latitudes siderais e nas Longitudes intergaláticas...

Vila Velha, 11 de maio de 2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 17/05/2008
Código do texto: T993119