A chegada, o acolhimento e partida da Pretinha.
Foi num feriadão do dia do trabalho de 2008. Estava lá, em Itaóca praia, o silêncio tomava conta da minha rua, pois só há vizinhos em época de verão.
Sozinha, em casa, acordo, abra a janelas do meu quarto e junto, as das minhas lembranças. Volto à infância e junto a ela , lá estava a Pretinha.
Pretinha era obediente e muito querida pela família, em razão do carisma que possuía. Tornou-se órfão ao nascer, não sei dizer precisamente quantas horas, mas segundo algumas informações que recebemos , seria após duas horas do parto.
Pretinha foi rejeitada por várias pessoas, estava sem lar. Coitada da Pretinha !!! Precisava de alguém que a amamentasse. Ninguém queria ter o trabalho de cuidar dela.
Papai resolveu adotá-la, trouxe para nós, tornou-se mais um membro da família. Minha mãe, sempre preocupada com a sobrevivência dela, procurava supri-la no que precisasse, e a maior necessidade era amamentação. Mamãe tinha todo cuidado, não deixava passar os horários das mamadas.
Agora, a minha acolhedora mãe passara a ter 08 filhos, sendo que a última requeria muito cuidado. Nós adorávamos ver o zelo que era dedicado à nossa querida Pretinha. Assistíamos a tudo com muita curiosidade. Pela manhã, à tarde e ao anoitecer, ficávamos em volta da mamãe apreciando o carinho com que cuidava da oitava filha, amamentando-a. Todos nós queríamos fazer o mesmo que a mamãe, mas apenas a minha irmã mais velha tinha o direito. Mamãe olhava para nós. Vocês não podem, é perigoso.
Sentia muita inveja da minha irmã, não via a hora de crescer ou de dar férias ao Não. Quem sabe ele ficaria feliz, viraria cambalhotas e até perderia o til, hein?!! Sairia de férias, alegre da vida, aguardando apenas o badalar dos sinos à meia noite, avisando que já era hora do retornar ao seu papel de negação.
Sonhava com as férias do Não. Sabem por quê?
Porque o ato de amamentar Pretinha se repetia por vários meses, anos não me lembro precisamente quanto tempo, só sei que era um dos meus desejos, mas sempre ouvia: isso Não... Não... é para criança pequena.
Sabem? No momento mágico de amamentação, estávamos ali, os 07 filhos assistindo à cena.
O tempo parecia que não passava e o Não estava sempre no meio de nós. Eta..Eta..Eta... tempo demorado.
Por que o Não ainda não saiu de férias? Era o pensamento que habitava em mim. A sua presença entre nós , só diminuiu quando crescemos.
Vocês precisavam estar presentes no meu passado pueril, viver os momentos maravilhosos que vivi.
Pretinha foi crescendo... crescendo e aprendeu o seu apelido. Era só chamar:
- Pretinha!!! Pretinha!!! Pretinha!!!
Ela já sabia que estava na hora de mamar. Deixava o canavial do sítio e chegava aos galopes no portão da parte inferior da nossa casa.
Ao chegar ao portão, lá estava mamãe com uma garrafa de vidro de guaraná, na época não havia garrafa Pet, com uma chupeta vermelha enorme que era dividia por um elo branco para separar o bico da parte que prendia na garrafa, cheinha de leite.
Na ânsia de mamar, sugava o líquido, deixando ao redor da boca, espumas brancas, fazendo um contraste com a cor do seu couro.
Essa cena se repetiu por muito tempo e a cada dia, a nossa Pretinha ia crescendo e a distância de tamanho entre mim e ela ficava cada vez maior.
Chegou o momento que precisou partir, pois caiu em um buraco e quebrou a perna. Um veterinário prático deu uma triste notícia para papai:
- Luiz, precisa sacrificar a Pretinha, já fiz de tudo para salvá-la. Encanei a perna dela com clara de ovo e breu, coloquei taleta de bambu, mas nada dá jeito. Já se passou um mês e ela continua na mesma, não houve nenhuma melhora.
Papai ficou assustado com a notícia, pois não queria passar pelo que passou com Obanha e toda a família. Pensou... pensou ..., resolveu dar um outro rumo para o fim da Pretinha, que agora não era mais uma bezerra e sim uma vitela.
Ofereceu a nossa vitelinha para alguns fazendeiros que compravam boi de corte. Tentou fazer tudo escondido de nós.
Apareceu um que se interessou e comprou o nosso “animalzinha”, deixando papai com o coração apertado, sem saber o que falar para os seus filhos.
Luizinho, o meu irmão mais moço, viu quando nossa amada Pretinha estava indo embora e avisou a todos. Corram.., corram... a Pretinha está indo embora. Foi aquela choradeira, formou-se um coral de choro.
Papai ficou muito triste com tudo, e murmurou como mamãe: - Meu Deus!!! Como é difícil tomar decisões. Primeiro Obanha, agora a Pretinha. Com Obanha tive que ter uma atitude e agora com a Pretinha outra, não sei dizer qual a melhor decisão tomei.Estou me sentindo como os personagens da História do Burrinho. Não sei se ando em cima do burro, se deixo o meu netinho em cima ou se carrego o burro nos ombros.
No passado não conseguia entender, mas hoje sei que nem tudo na vida é do jeito que planejamos ou queremos. Só sei que precisamos passar por experiências ora agradáveis ora desagradáveis. Tudo nos leva ao crescimento, quando sabemos tirar proveito das situações.