Quando tudo é descartável...
Por um momento, eu viajava sem quilometragem definida pelos caminhos imaginários das minhas lembranças embaladas por uma canção na voz de Johnny Rivers, ‘Do you wanna dance’, e eis que uma sensação pouco descritível acenou à minha reflexão...
Numa sociedade descartável como a que se vive hoje, poucas coisas são duradouras. Todos os dias somos expostos a incontáveis estímulos externos que nos colocam em constante busca e incessante insatisfação com o que somos e o que possuímos. Aquela roupa ou calçado que ainda estão novos, mas as cores e os modelos já são antiquados como ditou a moda; aquele eletrônico que já ficou ultrapassado graças à rapidez tecnológica nunca vista antes; a casa cuja fachada caiu em desuso; o carro com design do ano que já passou...
Não bastassem apenas coisas, tornaram-se descartáveis também os valores, os sentimentos e as pessoas. Basta uma olhada despretensiosa e pode-se conferir que a família perdeu o afeto outrora tão natural; os casamentos mal resistem aos primeiros anos, se é que os completam; as amizades, não raro, supridas as necessidades causais de apoio e companhia, se perdem pela falta de tempo ou desconfiança muito mais que pela real distância entre as pessoas...
Obviamente as exceções existem, mas de modo geral se o estilo de vida moderno visava nos fazer pessoas mais felizes, parece que a fórmula se perdeu na simplicidade adotada pelos nossos avós...
O que isso tem a ver com Johnny Rivers e sua canção ‘Do you wanna dance? Pode ser apenas mais uma canção, mas quando resolvi sentir o que esta canção me transmitia fiquei a me perguntar o que seria essa coisa que a música transmitia que me passava a sensação de uma saudade gostosa não sei de quê? E esta não era a primeira vez que esta canção me causava um misto de arrepio e aquele engasgo meramente emocional... Não vivi na década em que esta canção fez seu sucesso, assim como não vivi quando Roberto Carlos falava ao coração com suas canções na leveza peculiar da década:
“...fui chegando em frente ao portão, meu cachorro me sorriu latindo, minhas malas coloquei no chão... dois braços abertos me abraçavam como antigamente...”.
e como seria esta experiência?
‘...entrei no quintal do vizinho e plantei uma flor
no dia seguinte ele estava sorrindo dizendo que a primavera chegou...’
quando abri a janela estava um dia tão lindo; no outro quintal meu vizinho sorrindo...’
Os anos passaram e a vida mudou. Estas canções ficaram. O que elas teriam de especial, arrisco dizer que era o que se esconde por trás da composição. Deixamos de saber compor? Talvez deixamos de saber viver, se admitimos que não temos tempo nem vontade de abrir a janela e avaliar se o dia está lindo, que dirá de plantar uma flor?
Nestas reflexões eu me debruço na incerteza de que alguém sinta como eu o vazio criado pelo rápido descartar que rouba-nos o tempo, os valores e o prazer de sentir a vida na sua assombrosa simplicidade...