Por uma cultura cidadã.


         Marquei com meu sobrinho em frente ao consultório de minha irmã. Ele iria deixar o pai lá enquanto nós dois iríamos combinar com o médico a cirurgia de meu irmão. Eu sabia onde era o consultório de minha irmã mas não sei porque cargas dágua fui parar no lugar errado. A referência era uma casa lotérica e eu parei em frente de uma. Só que era a casa errada.E eu fiquei ali um tempão, achando que havia alguma coisa estranha mas não atinando com o que fosse. Enquanto isso  observava o movimento. Uma mulher entregava panfletos de propaganda, parada na calçada, encostada em uma parede. As pessoas pegavam ou não. As que pegavam em sua maioria jogavam fora sem ler. Na rua. Sem nenhum pudor. Eu fui ficando incomodada. Meu sobrinho não chegava e eu estava ficando irritada com a sujeira da rua. Minha cara fechada não estava adiantando, passei a resmungar.Falei porca e uma mulher me olhou assustada. Eu a reconheci e virei a cabeça depressa.Tinha trabalhado comigo há algum tempo atrás e eu não estava a fim de confusão. Nisso, um carro passa e de dentro um papel embolado é jogado. Acho que arregalei os olhos. Uma mulher passa por mim e arregala os seus também. Nossos olhos arregalados se reconhecem.Ela para e começamos a conversar. Ela diz: É um horror! E então passa a me contar que um dia estava em um shopping em Vitória com sua irmã e esta, ao entrar em um banheiro percebendo que estava imundo fez a mulher que havia saído dele voltar e dar descarga. Eu então contei do dia em que, vendo que a pessoa que estava no carro em frente ao meu jogara uma laranja chupada na rua segui o carro até que ele parasse. Quando isso aconteceu vi saltar do carro uma pessoa de projeção educacional no estado que, me vendo, veio até a mim com um sorriso nos lábios: Oi, Maria Olímpia, como vai, tudo bem? e eu, na maior cara dura respondo: Como posso estar bem vendo uma educadora jogar bagaços de laranja pela rua? Bem, foi uma saia justa danada, mas nem acabei de contar a história para a minha companheira de indignação porque o celular tocou. Era meu sobrinho querendo saber onde eu estava, já que ele, não me encontrando no lugar certo, tinha ido direto para o consultório do médico. Sai dando um tiau apressado, atravessei a rua em disparada, maldizendo minha lerdeza e correndo o risco de ser atropelada. Mesmo assim me lembro de ter pensado: O Fernando Brandi faria uma bela crônica desta história toda. 

        Havia até me esquecido deste acontecimento quando li em IstoÉ a entrevista de Antanas Mockus que apesar do nome esquisito foi prefeito de Bogotá. Filósofo e matemático ele é considerado o grande responsável por tornar a capital colombiana a cidade mais segura da América do Sul com a implantação de seu conceito de Cultura Cidadã.Segundo ele é preciso exigir mais respeito às leis por interiorização das regras para que haja uma mudança comportamental. Mas como fazer isso? Não é difícil desde que se tenha paciência e não se espere mudanças em um passe de mágica. Os ítens de seu programa são quatro: investir em arte, recreação e esportes,aumentar o respeito voluntário ás normas que regulam a vida social, ampliar a quatidade de pessoas capazes de pressionar quem não cumpre as normas e multiplicar a solução pacífica de conflitos.Ele dá como exemplo uma quase colisão de dois veículos. O motorista que está certo, em vez de esbravejar e ameaçar, simplesmente diz:"Assim não vamos ter a cidade que queremos". O outro vai ter que concordar e pedir desculpas. Sem brigas, provavelmente nunca mais vai esquecer do fato e evitará cometer novas infrações.

      Após a leitura desta entrevista fiquei pensando que realmente essa deveria ser a atitude correta. Assim é que prometo a mim mesmo nunca mais chamar de porca a quem jogar papel na rua. Quando muito eu vou dizer com um sorriso nos lábios:Ó Dona Conceição, assim nunca vamos ter a cidade que queremos. E me agachando catarei o papel e jogarei no lixo.

      Deixando de lado as brincadeiras, achei a entrevista muito boa.Melhor ainda foi a notícia de que hoje esse colombiano de nome estranho ajuda   as prefeituras de São Paulo e Belo Horizonte a implantarem o seu conceito de cultura cidadã.Apesar de tudo, quero ver para crer. Dizem que o prefeito de Belo Horizonte é tão bom que o PT e o PSDB estão se unindo para lançar candidato único para continuar a sua política. Não sei dos resultados práticos porque tenho ido pouco lá, mas realmente da última vez em que fui, não vi nenhum pivete em minha rua. Estou torcendo para que a ajuda do Dr. Antanas nos traga bons frutos.Porque acredito sinceramente que a educação é a grande arma para mudar o mundo. Desde que os governos se conscientizem disso e parem de desviar as verbas que lhes são destinadas. E a mídia se encarregue de divulgar essas idéias da mesma forma que divulga o caso de Isabela e as travessuras do Ronaldinho com os travestis.