COISAS DE BUENOS AIRES


A conhecida rua Florida, em Buenos Aires, é ponto de trajeto de milhares de pessoas de todas as partes do mundo. Ali se concentram lojas, livrarias, escritórios, sorveterias, restaurantes, mendigos, vendedores, aproveitadores, policiais, etc. É uma mistura democrática e livre em que cada um segue sua vida e depende, muitas vezes, da passagem dos transeuntes pelas imediações. Impossível não ficar atônito com tanta gente para lá e para cá, indo e vindo aparentemente sem rumo definido, atravessando e cruzando as estreitas ruelas paralelas por onde circulam os carros em meio à multidão quando os sinais dos semáforos abrem passagem para eles. Bem vestidos com seus sobretudos e casacos de couro cobrindo suéteres e cachecóis escondendo o pescoço do frio a qualquer hora do dia no outono, os argentinos mais parecem europeus andando sobre o chão do Velho Mundo. As botas são outro complemento vistoso das mulheres, enquanto os homens normalmente usam passeio completo sob os suntuosos sobretudos que lhes dão uma fleumática aparência inglesa. E todos, absolutamente todos fumam, algo como uma verdadeira praga - ativos e passivos, aqueles em grande número, estes pela infame consequência da fumaça pairando sobre o centro da cidade e cobrindo as pessoas feito grossas nuvens funestas. O movimento no local começa cedo, tão-logo o dia amanhece, e prossegue até mais ou menos as vinte e duas horas. Por volta das dezoito horas, atravancados com suas bugingangas, chegam os camelôs e se abancam ao longo do centro da rua Florida. Vendem quase tudo, desde camisas falsificadas da Lacoste(custa trinta pesos cada) até artesanato portenho, entre outros trecos, buscando a sobrevivência num País cheio de contrastes, isso enquanto os fiscais da prefeitura não aparecem. Ante a visão de qualquer um deles, os camelôs, numa rapidez incrível, juntam suas muambas e se escondem como se fossem mágicos, tornando a voltar a seguir quando a fiscalização se vai. Essa angústia cotidiana ocorre o tempo todo mas os camelôs jamais desistem, permanecendo por entre os passantes até o final do "expediente". Por uma questão de viver ou morrer em um ambiente hostil dessa movimentada capital onde moram, aos trancos e barrancos, em torno de quatorze milhões de habitantes. O hotel onde nos hospedamos, o Gran King, estava a poucos metros da rua Florida, na Lavalle, que a cruza, quase em frente ao Banco de La Nacion. Em uma de nossas andanças pela rua Lavalle, calçadão destinado às compras, à gastronomia e aos passeios, minha esposa testemunhou algo bastante singular em Buenos Aires, eu diria mesmo inusitado, e fiquei pensando se isso é comum por lá. Caminhávamos pela manhã admirando o vai-e-vem, parando nas vitrines, sendo incomodados por funcionários dos diversos restaurantes oferecendo folhetos, por pedintes atrevidos e pela fumaça asquerosa dos cigarros quando, de repente, sem qualquer razão, ela olhou para trás e viu um policial agachar-se com a maior tranquilidade em meio à balbúrdia da turba apressada, apanhar um toco de cigarro jogado ali por alguém e sair fumando a bituca com sefreguidão e prazer. Quando ela me falou a respeito do estranho fato eu olhava, um tanto enojado, para um cara gordo, sem camisa, esparramado no meio da rua pedindo esmolas. Mas, interessado no acontecimento nada comum, ainda pude ver o policial ostentando o maldito resto asqueroso de cigarro pendendo na boca, fumando todo sorridente e faceiro como se tivesse acabado de acender o danado do bicho com um isqueiro de prata. Arre, vício desgraçado!
Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 15/05/2008
Reeditado em 16/05/2008
Código do texto: T991430
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