O SONHO DE ALESSANDRA ESPÍNOLA
Mistérios.
Não era nenhuma novidade para Alessandra Espínola – ela sempre odiou o “Espínola” – acordar de mau humor. Pendurou nas costas o que devia e abraçou as expectativas de mais um monótono dia. Ao abrir a porta, notou que pelo menos naquele dia não ia brincar de ser, ou viver... ou põe a culpa no dia mesmo, caracterizamente dizendo,tão monótona assim. Estava chovendo e passou um amigo correndo e gritando: “ônibus em greve! Pode esquecer!”. E assim que foi a primeira, a melhor e suficiente coisa que ouviu naquela manhã.
“Oh... maravilha! Como é bom voltar pra minha quentinha cama...”.
Naquele momento de pouco dormindo e meio acordada, Espínola lembrou-se do sonho que parecia ter acabado de sonhar...
A casa – no sonho – era um verdadeiro sonho de tão bonita. Estava na sala quando ouviu uma nada familiar e bem baixinha voz chamando-a pelo nome e a curiosidade iniciou seus primeiros e receosos passos pela desconhecida casa. Notou pela vidraça da enorme janela que era noite lá fora, mas ali dentro estava meia-luz e desejou mais claridade, quando logo ficou pouco mais escuro.
“Duas portas? Como pode uma puta casa dessa ter apenas duas míseras portas?”.
Sim. Foi exatamente isso que ela pensou e ali havia. Mas no centro da casa havia uma escada daquelas estilo caracol, a gente vai subindo e rodando até passar por um buraquinho que fizeram no teto. Ah...
A voz que calmamente - parecia de uma velha doente, sei lá... - que insistentemente chamava: “Alessandra... Alessandra...” causava um enorme eco naquele lugar e Alessandra já não sabia mais se agia pela curiosidade ou pela vontade e mandar aquilo calar a boca e ir pro inferno. Logo picou o pé na primeira porta e gritou: “to indo, porra!” e notou que a porta se abriu. Mas as únicas coisas que viu ali era uma cama de solteiro com um par de pantufas rosas sobre ela e um criado-mudo com uma bíblia aberta no livro dos Provérbios, escrito pelo sábio Salomão. “Bíblia aberta? Aposto que to em casa de católico e é Salmo 91!”.
No momento nem ligou praquilo, mas num lapso de sei lá o que, percebeu o calar daquela voz e um pedacinho marcado com um marca-texto amarelo no canto da bíblia. Leu e pensou “é... agora eu vou nessa”. Olhou pro buraquinho no teto da escada... Nem subiu. Acordou.
O que estava escrito? Sei não. Mas não era Salmo 91. Alessandra só se lembra que é Provérbios 4:23.
O telefone toca, ela atende e ouve os gritos: “sua incompetente, irresponsável...”.
- Mas os ônibus estão em greve!
- Olha Alessandra, eu não te demito agora, porque é a primeira vez que isso acontece, mas com um puta engarrafamento desses e idiota como você pensa que eu sou... que porra de greve é essa que você ta falando?
- To indo. Conversamos pessoalmente daqui a pouco.
Mal desligou o telefone e ligou pro celular do “corno” do Clério. “Eu vou matar aquele desgraçado, juro que mato”. Enquanto o telefone chamava, olhou pro calendário atrás da porta... “...é quase dia dos namorados e esse desgraçado ainda brincando de primeiro de abril. Mas em ‘finados’ eu levo flores pra ele...
- Alô... praga ruim... que brincadeira de mau gosto é essa de greve de ônibus, heim...
- Olha Alessandra, em primeiro lugar, ônibus não faz greve, eles já são assegurados. Essa tal greve que acontece de vez em quando são coisas entre os motoristas e seus sindicatos e eu não tenho nada a ver com eles. Em segundo lugar, eu estou aqui no Hospital Albert Einstein há dois dias, duas horas e com as duas pernas engessadas porque as duas rodas do lado direito do carro passaram sobre minha moto e sobre elas também durante o acidente. Quem me dera dar uma passadinha por aí. Mas não se limite às suas visões malucas ou proféticas, quando puder, visita-me.