Beba-me

Beba-me

Por Leandro Alves

Tive o prazer de apreciar na última quinta-feira o show "Beba-me" de Elza Soares e estou ainda hoje extasiado de tanta emoção. Elza Soares é dona de um carisma incomparável e encantou a todos os presentes no Palácio Das Artes, em Belo Horizonte (MG), para vê-la. A platéia estava eufórica e completamente envolvida com a arte de uma das maiores divas da MPB. Um povo lindo e muito alegre.

O espetáculo começou na penumbra, Elza cantando ainda fora do palco a música "Meu guri" de Chico Buarque. Entrou com um vestido justo, vermelho, e uma rosa enfeitando os cabelos. Já em cena, entoou "Se acaso você chegasse", seu primeiro sucesso.

Se acaso você chegasse

No meu chateau e encontrasse

Aquela mulher que você gostou

Será que tinha coragem

De trocar nossa amizade

Por ela que já lhe abandonou?

Com poucas variações, o repertório foi o mesmo do show que deu origem ao CD e DVD ao vivo "beba-me", com músicas de Caetano Veloso, Noel Rosa, Billy Branco... Um detalhe importante: recentemente, Elza foi operada devido uma crise de diverticulite, permanecendo hospitalizada por algum tempo. Surpreendentemente, seu vigor era tal que, durante as quase duas horas de show, não parou sequer para tomar um copo d’água. Foi até o fim com muito samba no pé.

A platéia mal se segurava na cadeira e também não conseguia parar de rir. É alucinante a interpretação de "O neguinho e a senhorita" de Noel Rosa e Abelardo da Silva que conta a história de um negro que se apaixona por uma moça rica e a leva para morar na favela. O clima nesse momento é de muita descontração e bom humor.

Além de intérprete Elza Soares também é compositora como podemos ver em "Pranto livre" onde a letra é divina e pronta do ponto de vista poético:

Chora, desabafa seu peito,

Chora, você tem o direito.

Em se tratando de amor,

Qualquer um pode chorar.

Não se envergonhe do pranto, que é

Privilégio de quem sabe amar.

Elza não desmerece sua origem e fala com orgulho da infância pobre no Rio de Janeiro, na década de 40. Nascida na Cidade Maravilhosa em 23 de junho de 1937, filha de uma lavadeira e de um operário, cresceu na favela Água Santa e apenas aos 20 anos de idade fez seu primeiro teste como cantora. Logo seria contratada para a Orquestra de Bailes Garan e, em seguida, para o teatro João Caetano. Desde então, nunca mais calou sua voz rouca e seu estilo singular.

Repleto de momentos marcantes, o show da musa vai ficar na memória. Para mim, por um detalhe especial: o momento em que Elza Soares me olhou nos olhos, na primeira fila, enquanto cantava "Malandro" de Jorge Aragão e Jotabê. Para o grand finale, o "Rap da felicidade" com uma roupagem toda nova, atribuindo uma beleza que a música jamais teve. Terminei a noite no camarim, onde lhe beijei o rosto e lhe fiz uma declaração de amor.

Ela me autografou o CD "Beba-me" e, ao chegar em casa, varei a madrugada escrevendo esta crônica. A hora do bis foi com a canção "A carne", composição de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette:

A carne mais barata do mercado é a carne negra...

Que vai de graça pro presídio

E para debaixo de plástico

Que vai de graça pro subemprego

E pros hospitais psiquiátricos

Leandro Pereira
Enviado por Leandro Pereira em 14/05/2008
Reeditado em 15/05/2008
Código do texto: T989759