Os Apossamentos - Berenice Heringer

...E o jovem sobe no poste para roubar fios e eletrocuta-se na rede de alta tensão...

Já pensou a tensão interna desses seres perdidos/achados nessas transgressões e emaranhamentos? Prometeu quis entregar o segredo do fogo para os mortais e recebeu o castigo de Zeus. Ficou preso no rochedo e seu fígado era bicado todos os dias pelas aves de rapina. O suicida urbano quer roubar o segredo dos fios eletrificados, derrete o cobre da cautela, penhora a autopreservação quando realiza o vôo no vácuo...É o estatelar das traquinagens nas regiões talares. A vertiginosidade. O Zênite e o Nadir. Ambos se descambam e perfazem o Oito do Tao.. O Sol, todas as noites, ao atravessar o vasto oceano, entra numa caverna escura, mergulha num caldeirão mágico e sai rejuvenescido a cada Manhã.

Agora vemos o equilíbrio do terror. E cada qual tem de amparar e proteger sua Criança interna. Eu me vejo com uma sainha curta numa estação deserta açoitada pelos ventos. O trem passa rápido. Fico enregelada e coberta de fuligem...Quem poderá me salvar a não ser eu mesma? Conheço meus abismos internos, meu atacama inóspito, meu pântano lúgubre.

Também minha alvorada e meu céu estrelado. Vésper aparece à noitinha e, pela madrugada, quando a noite da alma é mais atra, a Aurora tinge o arrebol e Pégaso me resgata...

No silêncio existe o todo da compreensão e o insight é um facho de lux que aclara nossos labirintos internos. As hetairas do medo estão sempre a postos. Os porteiros da noite só acendem suas lanternas para identificar os intrusos. A mente está ligada on-line em tempo real e integral com o Universo, o universo de Spinoza e de Pascal. Aquele um recluso excomungado por seus pares. Este, um místico, um gênio da matemática e da filosofia, preso ao seu fragílimo soma. A fonte jorra incessante, mas não é preciso mergulhar nela. Bastam alguns salpicos para nos umedecer e aplacar a sede de auto-conhecimento. A Velocidade. A Vertiginosidade. O vértice veloz. O Poço e o Pêndulo de Poe no Maelstrom da Alma entre as Brumas e a Fatalidade.

Na obra de Charles Baudelaire, o poet maudit francês, as Flores do Mal são as mulheres. Iniciava-se na França a era da misoginia. Ou melhor, já existia antes da belle époque. Acho que essas flores hoje são as crianças, os adolescentes, os jovens, que não foram gerados pelas deusas, como Têmis, que mergulhou seu filho Aquiles no caldeirão fervente com as Poções Mágicas da Imortalidade. Aquiles era afoito e megalômano. A seta mortífera o atingiu no calcanhar vulnerável. Incolumidade...Todos os jovens agora engrossam a fileira da imprudência e repetem seus rituais suicidas "por pouco mais de nada". Um vestígio de pó, uma trouxinha de folhas secas ou pedrinhas trituradas. Antes, eles enchiam os bolsos com as pelotas de atiradeira e as bolinhas de gude. Há uma picada que entumesce as veias da percepção. A batida ritmica repercute nos instrumentos, nos entendimentos, nos desnorteamentos. Tudo é para ontem. Eles, que não têm passado, nem futuro. O instantâneo se desbota no Tempo, mesmo no click da megapixel potente que imobiliza os despossuidos num flash... As impressões hightec digitalizadas na cadência das ondas hertzianas podem causar curtos-circuitos, paradas cardíacas, choques anafiláticos e eletrocoagulações nas grafitagens urbanas, nas paredes de kriptonita dessas muralhas medievais atuais...

Vila Velha,11/maio/2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 14/05/2008
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