O Vazio Absoluto e o Nada - Berenice Heringer

"Na gruta sagrada de Macris celebrou-se o casamento. O Velocino de Ouro foi estendido sobre o leito nupcial e a própria Hera enviou as ninfas dos rios para que espalhassem flores perfumadas na gruta...e luzes flamejantes dançaram".

Jasão, aquele que fora agraciado pelos deuses com o dom da cura, torna-se um fugitivo submisso que teme a ira de Medéia. A mim pouco importa se fores expulsa do país! Depois do crime ela se torna indigna da compaixão humana. E sua raiva é expressa através da depressão e pelo ódio a si mesma. Na teia da ira e do ciúme trama-se a vingança...

Neste domingo em que se incensam as Mães numa estratégia para que os shoppings fiquem superlotados, vou dedicar minhas palavras à madrasta-mãe Anna Carolina Trotta Jatobá.

Enquanto Glaucas e Creusas se engrinaldam com coroas de louros, a paixão se instala como fatalidade. A sombra do desespero recíproco atua até os nossos dias nas relações entre os sexos. Culpa, dependência e desprezo.

Se me fosse dada, hoje, a oportunidade de enviar-lhe um presente, seria este livro que tenho nas mãos: Medéia, o direito à ira e ao ciúme, (Olga Rinne-Ed. Cultrix-1988). O texto é impressionante e avassalador. É a leitura do mito numa interpretação junguiana. Há mais de uma década e meia que o manuseio e decifro tais enigmas. Seu estudo me inspirou um texto impresso num banner, aqui na parede da sala: O Espelho Escuro, que até já concorreu a um concurso na revista Claudia. É a história da minha MÃE, (com quem não convivi) que recriei, entrelaçando-a com a minha própria história e a de todas as mulheres do mundo. Costumo enviar livros de minha autoria para as bibliotecas de penitenciárias. Mandei para o Hosmany Ramos, recluso no Complexo Prisional do Carandiru, e recebi dele um cartão com uma confissão extravasada do fundo da sua alma. Faço referência a esses fatos na crônica Essa Voz que chega devagar, título tirado de lindíssima canção do Paulo Ricardo, a quem presto também minha homenagem.

Noutros escritos desta série atual, todos no site Recanto das Letras, solto os cachorros sobre você, tia Carol. Adélia Prado tem um livro intitulado "Solte os Cachorros". Estamos todos nós, o tempo todo, estumando nossas matilhas internas, fazendo nosso dever de casa na senda do auto-conhecimento. É um auto-exorcismo, uma tentativa de rearranjo nas teias embaralhadas do nosso Inconsciente. Desafasta, misifio! como dizia o Henfil.

Creio ser mais prudente deixar as sagradas escrituras de lado, in moment. Leia Erika Jong e Salve sua Vida! Nos Cantares de Davi você já deve ter lido e decorado: Sou um vaso quebrado, um morto que caminha...E os vendilhões no Templo me apedrejam!

Todos nós estamos alquebrados, nossas almas cabisbaixas, em frangalhos, humilhadas...As tragédias nos nivelam e nos colocam como passageiros e tripulantes na Nau dos Insensatos. No limite da maratona, rompe-se a fita de chegada, os velocistas se estendem por terra e beijam o chão...A barreira pode ser transposta a qualquer instante. Vertiginosamente, ou em câmara lenta como num cortejo fúnebre em que as coroas de louros da vitória e os ramos de oliveira da glória transmutam-se nos cravos-de-defunto ressequidos pela ação implacável dos elementos.

A tessitura do encantamento mágico é a mesma do aniquilamento e da Morte.

VV/11/maio/08

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 14/05/2008
Código do texto: T989051